Estudo vê sacrifício humano na Era do Gelo

Para muitos arqueólogos, as tribos de caçadores que invadiram a Europa no fim da Era do Gelo inventaram coisas hoje consideradas pedaços essenciais do que significa ser humano: arte esplendorosa, na forma de pinturas, esculturas e música; belos colares, pulseiras e outros adornos pessoais; e até a agulha de costura e os sapatos. Um pesquisador italiano, no entanto, diz acreditar que toda essa explosão de complexidade trouxe consigo um lado negro. As tribos da Era do Gelo teriam praticado sacrifícios humanos sistematicamente, preferindo como vítimas as pessoas com deficiências físicas graves.

Vincenzo Formicola, do Departamento de Biologia da Universidade de Pisa, afirma ter achado pistas desses rituais aterrorizantes em alguns dos túmulos mais famosos da Europa pré-histórica. São os de Sunghir, na Rússia, e Dolni Vestonice, na República Tcheca (ambos com idade entre 24 mil e 26 mil anos), bem como o de Romito, na Itália (o mais recente, com uns 11 mil anos). O que há de comum entre esses enterros é que todos envolvem mais de um corpo, são ricamente decorados – quase como se os mortos tivessem recebido “oferendas” – e todos incluem pelo menos um cadáver com deficiência física severa.

“Imagino que a diversidade física fosse vista como um elemento importante nesse tipo de prática”, diz Formicola. A menina de dez anos de Sunghir, enterrada com um menino um pouco mais velho, tinha os ossos das coxas anormalmente encurtados e curvados, um dos indivíduos do enterro tcheco tinha tanto braços quanto pernas deformadas, enquanto em Romito um dos mortos sofria de uma forma rara de nanismo.

O que mais sugere um ritual, no entanto, é a riqueza dos túmulos. Só em Sunghir os pesquisadores acharam 5.000 contas feitas de marfim de mamute adornando cada uma das crianças, centenas de dentes perfurados de raposa-do-ártico e várias lanças também de marfim (uma delas com 2,4 m de comprimento). Cada uma das contas levava cerca de uma hora para ser feita. Era como se a comunidade inteira tivesse preparado o enterro – antecipadamente, o que apóia a hipótese de sacrifício.

Se Formicola estiver certo, vai ser preciso repensar a imagem dos humanos da Era do Gelo como caçadores primitivos. Afinal, só sociedades complexas conseguem dedicar o tempo e os recursos a rituais tão elaborados quanto sacrifícios humanos. “Eles provavelmente tinham desenvolvido uma complexidade de interações, e um sistema comum de crenças, símbolos e rituais, que iam muito além do que vemos entre os caçadores-coletores de hoje”, diz Formicola. Para ele, as pessoas com deformidades poderiam ser “temidas, odiadas – ou reverenciadas” pelas culturas da época. (Globo Online)