Outras regiões do Brasil também seriam afetadas: a região Nordeste pode perder manguezais e ver secar grande parte de suas fontes de água, transformando-se de território semi-árido em terra árida. No Sul, o aumento de precipitações pode obrigar populações a se adaptar.
Mas o próprio órgão reconhece sua dificuldade em lidar com as chamadas “questões regionais”, isto é, em avaliar o efeito da mudança climática sobre uma ou outra região específica. No caso brasileiro, por exemplo, a falta de dados limitou o esboço dos alertas.
O perigo para a Amazônia é mencionado de passagem em trechos do relatório. Já em entrevistas com jornalistas, os cientistas disseram que entre 10% e 25% da floresta poderia desaparecer até 2080, dependendo de quanto for a elevação da temperatura. Por falta de dados, o grupo só pôde conferir uma probabilidade de 50% a esse evento, o que na classificação do IPCC significa “mais provável que improvável”.
Um dos modelos adjetivados como mais “catastróficos” analisado pelo IPCC, elaborado pelo Hadley Centre, mostra o ecossistema desaparecendo completamente até 2080.
Desmatamento – O desmatamento é amplamente atribuído por ambientalistas a grileiros, fazendeiros de gado e plantadores de soja, acusados de forçar a expansão da fronteira agrícola para áreas virgens da floresta. O desflorestamento é a segunda maior causa de emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, respondendo por 17,3% das emissões, segundo o IPCC. A primeira causa é a queima de combustíveis fósseis (56,6%).
Há outras previsões sombrias. Um modelo analisado pelo IPCC diz, por exemplo, que a região Nordeste poderia perder até 75% de suas fontes de água com o aumento da temperatura. A elevação do nível das águas poderia submergir manguezais no litoral nordestino.
Já no Sul do país, o perigo é de que ocorram mais chuvas. Mas Paulo Artaxo considera que este fator poderia beneficiar o país, já que nesta região “está 70% do potencial hidrelétrico do país”.
A falta de estudos e de dados confiáveis sobre esses processos fez com que a abordagem do IPCC sobre eles tenha sido mínima. Muitos não são sequer citados na síntese do relatório, que a organização divulga nesta semana em Valência, na Espanha.
“Este relatório aborda pouco as questões regionais. Esse é um dos aspectos críticos dele: um refinamento regional próximo de zero”, diz a pesquisadora Thelma Krug, líder de uma força-tarefa do IPCC.
Para o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP – Universidade de São Paulo, o desmatamento da Amazônia é o “ponto fraco” do Brasil nas discussões sobre o clima. Em outros aspectos, o país tem “vantagens comparativas” para combater a mudança climática, ele afirma.
Bioenergia – “O Brasil tem um programa nacional de álcool e combustíveis renováveis, tem recursos de energia eólica e solar, quer dizer, tem tudo para ser um sucesso energeticamente e ambientalmente. O problema é que tem de encontrar maneiras de evitar o processo de ocupação e destruição da Amazônia.”
Para Artaxo, a falta de amplitude dos estudos do IPCC representa um desafio para governos que têm de tomar decisões “com base em uma enorme escassez de dados”. “Requer muita cautela, mas também requer que ações sejam tomadas agora, porque em cinco ou dez anos pode ser muito tarde”, ele afirma.
“O governo brasileiro tem de adotar estratégias de mitigação desses problemas”, ele alerta. No caso amazônico, isto significa “combater a ocupação desordenada” do território.
Jà no caso do Nordeste, defende o cientista, é preciso “investir pesado em programas de irrigação, levar em conta programas de inserção social para ocupar as pessoas que serão afetadas e o redirecionamento da economia local para uma economia sustentável com menos chuvas”. (Estadão Online)