Além de meros “lixões”, os pesquisadores afirmavam que os sambaquis deveriam ser um espaço de moradia mais seco e arejado, livre de insetos e com uma visão estratégica da redondeza. “Durante muito tempo se estudou esses sítios arqueológicos de maneira simplista, com uma perspectiva teórica muito pobre”, diz a antropóloga Tania Andrade Lima, professora no Departamento de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A pesquisadora sugere que esses habitantes, que viveram até oito mil anos atrás, eram mais do que caçadores e coletores de conchas. “Eles eram mais sedentarizados, o que proporcionou um grande crescimento populacional e possibilitou o emergir de uma sociedade diferenciada”, afirma.
Isso significa que eles foram capazes de criar redes de difusão ideológicas de longo alcance. “Algumas peças, chamadas zoólitos, construídas em Santa Catarina, foram encontradas no Uruguai e vice-versa”, explica Lima. Isso mostrava que eles viajavam e levavam consigo objetos simbólicos. “Não é qualquer sociedade que faz isso”.
De acordo com a pesquisadora, os sambaquis também poderiam ser símbolo de demonstração de poder. “Eram grandes monumentos como as pirâmides no Egito ou o World Trade Center nos Estados Unidos. A verticalidade de edifícios sugere que o homem que quer se tornar maior e mais forte”, diz.
No interior dos sambaquis já foram encontrados vestígios de fogueiras; armas de caça e de pesca; ferramentas; restos alimentares; ossos de peixes, mamíferos, aves e répteis; e vegetais como coquinhos.
Alguns sambaquis poderiam ser usados como moradia, grandes cemitérios, locais para rituais ou como habitação e sepultamento ao mesmo tempo. Todas essas são características exclusivas de sociedades agrícolas capazes de produzir excedentes.
Pesquisadores recuperaram evidências de práticas rituais, como sepultamentos e oferendas. Em alguns deles, são encontradas esculturas feitas de pedra e de osso que, provavelmente, eram usadas em rituais. Contrastam com a simplicidade dos demais objetos.
Onde estão – Segundo a pesquisadora, os sambaquis são a base para entender a cultura e os hábitos das primeiras populações que povoaram a costa brasileira. Eles se localizam, principalmente, na região Sul do país. Tratam-se de sítios arqueológicos pré-históricos que podem alcançar 30 metros.
O apogeu desses habitantes pode ter ocorrido em torno de quatro mil e três mil anos atrás, de acordo com datações radiocarbônicas. O declínio gradativo desse povo deve resultar de uma combinação de fatores. Entre eles está a coleta exagerada dos mariscos apreciados e consumidos com intensidade, o que inviabilizou sua reposição em número necessário.
“Mas populações do interior do atual Brasil já dominavam a agricultura”, explica Lima. Elas poderiam ter alcançado a costa, no início da Era Cristã. Como eram economicamente mais fortes e organizadas – por produzir o próprio alimento – mudaram o modo de vida ou dizimaram quem vivia no litoral. Quando os europeus chegaram ao Brasil, há 500 anos, os povos que erguiam sambaquis não existiam mais.
Peças de rituais – Os zoólitos aparecem com mais freqüência nos sambaquis localizados em Santa Catarina. São esculturas de animais feitas de pedra e osso. A cientista acredita que se trata de uma arte elaborada que requer indivíduos talentosos para a sua execução. Os zoólitos provavelmente não foram feitos por caçadores ou coletores.
A distribuição de zoólitos sugere a existência de centros de produção no norte do estado de Santa Catarina, na região de Joinville e de Laguna. Ambas são áreas com alta concentração de sambaquis. Inclusive onde estão situados os montes de maior porte. (Fonte: Isis Nóbile Diniz/ G1)