Não é pouca coisa. Ainda mais se considerarmos que a costa paranaense é a segunda menor do Brasil, com apenas 95 km, atrás somente da piauiense. Para desbravar o trecho mais bonito desse litoral, um ingrediente não pode faltar na sua mochila: espírito aventureiro. Inclinação à contemplação também é algo bem- vindo.
Às vésperas da primavera, com esse céu de um azul absurdo, há momentos em que o tempo parece passar mais devagar, embalado pelo ritmo dos barcos, pelo dedo de prosa sob as árvores e pelo gingado da molecada batendo bola na areia. Tem mais. À noite, as trilhas são iluminadas pela Lua. Quando vêm as nuvens, o pessoal saca lanternas para se orientar.
Nada de hotéis luxuosos ou resorts, o que, para uma ilha – sejamos sinceros – é uma baita vantagem. As pousadas são rústicas, bem simples e combinam com o lugar, aonde a eletricidade só chegou no verão de 1989.
A gente vai para a cama com o barulhinho das ondas e sai dela com o cantar dos passarinhos. Carros, felizmente, não entram. Então, caminhar é preciso.
E a ilha é um convite para passeios por longas enseadas em meio à mata atlântica, cortando trilhas de areia, passando pela restinga, subindo e descendo morros e rochas. Resultado certeiro é dar de cara com aquele marzão sem fim. Coisa boa.
O perímetro da ilha é de apenas 35 km entre praias e costões. Para efeito de comparação, são 10 km a mais do que a ilha principal do arquipélago de Fernando de Noronha.
Para dar a volta no Mel, são percorridos cerca de 22 km, o que pode ser feito em oito horas de caminhada. Nada de que você não dê conta. Afinal, com aquela brisa gostosa refrescando o trajeto, papagaios-de-cara-roxa, ameaçados de extinção, colorindo o céu e ainda a chance de tirar o excesso de suor na água, quem cogitaria a besta ideia de desistir?
Aqui, duas dicas valiosas: fique atento ao movimento das marés, que, muitas vezes, impede a passagem em alguns trechos, e contrate um guia. Além de ele ser útil para o trajeto, o visitante colabora com a economia local.
Existem dois polos para aportar na ilha. Na parte voltada para a ilha das Peças, fica Nova Brasília. De cara para o canal, no extremo sul, está Encantadas. Elas são as duas principais vilinhas do Mel.
Nestes dias de calmaria, antes da chegada do verão, o adjetivo fascinante lhe cai bem. Cerca de 95% do território da ilha é considerado área de preservação permanente. Como agora a procura não é intensa, aquele índice de 5.000 visitantes por dia, típico da altíssima temporada, sai de cena.
Fica mais fácil e mais em conta encontrar pousadas, comer e, é claro, fazer os passeios. Fora de temporada, dá até para acreditar que o Mel é uma pacata ilha. Talvez essa imagem se torne um pouco desfocada durante a ferveção do calor e dos feriados prolongados. Mas, fora do bochicho, ela é bem cristalina.
Bom é saber que, na ilha do Mel, não há ruas ou estradas, só trilhas, que podem ser percorridas a pé ou de bicicleta. Saboroso é encarar os cerca de 10 km que separam a fortaleza à beira-mar Nossa Senhora dos Prazeres (ou da Barra), construída em 1770 para a defesa do litoral paranaense, da gruta das Encantadas, uma grande fenda aberta nos costões, repleta de lendas sensuais e esquisitas. Aviso aos preguiçosos: ela está a apenas 15 minutos do trapiche das Encantadas.
Ainda hoje, a fortaleza conserva armamentos da época. Na parte alta, no topo do morro das Baleias, estão o labirinto e os canhões da Segunda Guerra. Lá também há um mirante, de onde se descortina uma vista deslumbrante.
Do lado oposto da ilha, está o farol das Conchas, que, erguido em 1872, ainda funciona -hoje, por energia solar. São quase 150 degraus e rampas para chegar ao pé do farol. Pertinho dali, você dá de cara com a praia Grande, reduto de surfistas. Qualquer percurso passa por matas, de onde dá para ver bichos, e desemboca no mar.
Além do Mel, o visitante pode aproveitar a empreitada e contemplar o cenário com visitas às ilhas do Superagui (que é um parque nacional) e das Peças.
Enquanto o barquinho desliza, botos nadam ao seu lado, observados de cima por biguás e colhereiros. No meio daquele mundão de água, com ilhas por todos os lados e praias a perder de vista, ninguém mais duvida: o Paraná tem, sim, um litoral que merece lugar cativo no mapa dos pedacinhos especiais da orla brasileira. (Fonte: Folha Online)