Paraíso do ecoturismo é reduzido a cinzas no Pantanal

De acordo com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto mais de 12% do Pantanal foi consumido por incêndios.

Domingas se reveza com o sócio para cuidar da pousada durante a semana e distribuir alimentos para os animais. — Foto: Mauro Pimentel/ AFP

Ao se ver impotente enquanto o fogo devastava a vegetação ao redor de sua pousada no Pantanal, Domingas Ribeiro, 46 anos, sentou-se aos pés de uma árvore e chorou. “Parecia que as lágrimas saíam da minha alma”, lembra.

A empresária que também é guia de ecoturismo, administra desde 2019 uma pousada situada no km 40 da rodovia Transpantaneira, que conecta as localidades de Poconé e Porto Jofre, no norte do Pantanal. Em meados de agosto, o fogo consumiu, em dois dias, 90% dos 905 hectares da pousada Pantanal Lodge, também conhecida por seu antigo nome, Rio Clarinho.

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“Vivemos um caos. Ficamos sem energia. Nossa rede tinha postes de madeira, pegou fogo. Muitas árvores caíram na nossa estrada principal, então ficamos bloqueados. Foi muito complicado”, conta Domingas, mostrando a parte traseira do estabelecimento.

Onde antes havia uma paisagem verde, repleta de plantas nativas, agora praticamente só se veem cinzas, cenário que se estende até a linha do horizonte. O corixo que separa o terreno da pousada vizinha está seco. Um jacaré morto jaz sobre a terra rachada.

“Pensar como era e ver como ficou dá muita tristeza. A gente via os animais aqui por perto, agora só vê cinzas”, lamenta a empresária, que usa coturnos para evitar mordidas de cobra e veste uma camiseta leve, com estampa de onça, para suportar o calor.

As araras que frequentavam o local agora passam voando, mas não ficam. As palmeiras cujas castanhas lhes serviam de alimento foram arrasadas pelas chamas.

Acharam alguns animais mortos (veados, tartarugas, iguanas, cobras, jacarés), mas o principal problema é que a maioria fugiu do incêndio e alguns retornam desesperados em busca de água e comida. O drama se repete ao longo da Transpantaneira, onde brigadas de voluntários depositam alimentos para tentar salvar a fauna da região.

De acordo com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto mais de 12% do Pantanal foi consumido por incêndios, produzidos geralmente por queimadas que saíram do controle e agravados pela pior seca em quase meio século.

‘Barulho do fogo na cabeça’

As queimadas prejudicaram ainda mais a temporada turística no Pantanal que já sofria as consequências da pandemia. — Foto: Mauro Pimentel/ AFP

Quando se deu conta da proporção das chamas, Domingas, nascida e criada no Pantanal, sabia que nunca havia enfrentado algo semelhante. Ela combateu o fogo ao lado de uma equipe dos bombeiros e de outros voluntários, mas os ventos eram tão fortes que não houve outro remédio a não ser esperar que tudo ardesse em chamas e proteger apenas a estrutura da pousada.

“Tentamos salvar o que tinha, mas não teve como controlar o fogo”, lamenta. A grande quantidade de fumaça inalada provocou uma inflamação nos pulmões de Domingas, que a obrigou a repousar e se medicar por 10 dias.

Um mês depois, a empresária ainda perde o fôlego ao pronunciar frases longas e consegue se lembrar perfeitamente do barulho do fogo consumindo tudo ao redor. “Ficamos vários dias sem dormir direito, porque tínhamos a imagem e o barulho na nossa cabeça, tanto do fogo, quanto das árvores desabando. Qualquer movimento nos fazia pensar que era o fogo novamente”, relata.

Próxima temporada

Apesar da tragédia e de o fogo ter terminado de sepultar a temporada turística que o novo coronavírus já havia complicado, Domingas sorri com frequência e encara o futuro com otimismo. Ela se reveza com o sócio, o japonês Nobutaka Yukawa, para cuidar da pousada durante a semana e distribuir entre os animais os alimentos que recebem de uma campanha solidária.

“Para o turismo, vai ser complicado trabalhar este ano. Como a vegetação ficou toda queimada, nossas trilhas foram atingidas, não temos o que mostrar, a não ser cinzas”, confessa. A empresária acredita, no entanto, que, com a ajuda das chuvas previstas para começar no próximo mês, a vegetação irá se recuperar e os animais irão, aos poucos, retornar.

“A gente depende 100% da natureza, dos animais para mostrar para os turistas. A melhor forma de contribuir com a natureza é fazer o que estou fazendo, juntando estes alimentos para que eles possam sobreviver até que a natureza se restabeleça. O Pantanal é cheio de surpresas. Esperamos que no próximo ano ele volte a ser maravilhoso.”

Fonte: G1