Dois quilos de ouro puro por mês. A produção no Garimpo do Galo já foi melhor, mas é ainda a única atividade que sustenta 60 famílias daquela localidade. Uma vila isolada entre a floresta Amazônica e o rio Xingu, a cerca de 70 quilômetros de Altamira, no Pará.
Ali, a preocupação é a usina Belo Monte. Pelo projeto, a barragem ficará a cerca de 10 quilômetros rio acima, comprometendo a logística de abastecimento do garimpo, seja de comida e de remédio, seja de equipamentos e de combustível para tocar a produção, o que não é pouco: 10 mil litros por mês.
“O governo acha que atingido por barragem é só quem fica no alagamento. Aqui em baixo vai ficar seco e isso ninguém diz nada. Como se navega com o rio seco? Aliás, como se produz ouro sem água?”, questiona Josué de Sousa Pinto, um ex-garimpeiro e vereador de Altamira que ainda acompanha a atividade.
É mais um setor de atividade econômica que apresentará suas reivindicações aos empreendedores quando a obra começar. Por enquanto, a rotina dura e arriscada segue no Garimpo do Galo, assim como nos demais. Apesar de ainda existir a caça ao ouro de aluvião (aquele misturado ao cascalho no leito de rio), o tipo de exploração ali é diferente.
O ouro fica dentro da rocha, que é dinamitada formando um buraco que avança chão adentro. A 150 metros de profundidade do solo, alguns a 300 metros, num ambiente úmido, escuro e arriscado é que grupos de garimpeiros extraem a rocha após dinamitá-la. Um guincho iça o bornal gigante lotado de pedra para ser britada e processada para a extração do pó de ouro.
“É trabalho duro”, diz Misca, apelido de Aldacir Ribeiro, 46 anos, há 20 anos na lida do garimpo. “Já passei por garimpos em Tucumã, Maria Bonita, Redenção [todos no Pará] e Macapá [AP]. Se fraquejar aqui, parto para outro. Trabalhar na obra de Belo Monte é que não vou”, diz.
A distância da cidade, o trabalho duro e mesmo a falta de esclarecimento sobre o impacto real da barragem e da obra da usina tornam essa gente alheia ao seu futuro. Trabalham hoje para ter o ouro a partir do qual se sustentam amanhã. É simples a rotina, sem muitas elaborações.
José Gama dos Santos Filho, o Zé Filho, feição austera, manobra o guincho usado para o acesso à área de produção, lá embaixo. Em suas mãos, a vida dos companheiros que se arriscam a descer em busca do ouro. Um erro ali, é o fim.
Zé Filho sabe tanto quanto qualquer um sobre o destino de todos a partir do início da construção da usina Belo Monte. Sabe, por exemplo, que a redução da vazão no rio (a ser drenado por canais a serem construídos antes da barragem) vai reduzir o volume de água que corre por ali. Sabe também que sem água não há como lavar a pedra triturada e pinçar com o uso de produtos químicos a riqueza trazida à luz.
Na vila do Galo, onde mulheres passam o tempo jogando bingo, Pexada, nome de Jair Alves Né, 47 anos, índio da etnia Xipaia, acha que o futuro agora ficou mais imprevisível em relação ao que era até agora. Pexada é um dos compradores do ouro extraído no garimpo, além de ter um armazém-boteco onde grupos de garimpeiros se reúnem para ouvir música em volumes hostis aos tímpanos e discutir em voz alta o projeto Belo Monte, assunto recorrente.
“O problema é o transporte das coisas para cá. Estrada não tem, e sem o rio vai todo mundo ficar ilhado”, diz. A produção de ouro tem caído nos últimos tempos, mas é a única moeda da região. Ao pesar o ouro comprado há pouco, Pexada diz: “Esse é o nosso dinheiro. Sem ouro, isso aqui vai acabar”. (Fonte: Agnaldo Brito/ Folha Online)