O som da motosserra é o que mais se ouve nas matas do sul do Piauí. Para produzir carvão, empresas sobrecarregam o peso no lombo de jumentos e não protegem os trabalhadores.
Proteção no trabalho, só a do capacete. Nada para suportar a fumaça e o calor. “É quente demais. Não tem outro trabalho, tem que fazer o que tem”, diz o carvoejador Gisley Omélio.
A produção oficial chega a 10 mil toneladas de carvão por mês. Mas, segundo ambientalistas, a mesma quantidade é produzida por fornos clandestinos. A maior parte das carvoarias fica em Morro Cabeça no Tempo.
O município tem menos de cinco mil habitantes, é o menor da região e um dos mais pobres do Nordeste. “Se você tivesse vindo aqui nos anos 90, o clima era outro, bem mais agradável, bem mais fresco, dava pra viver muito bem. Hoje a gente percebe que é muito quente”, observa a professora Luzia Luz Neto.
As consequências já são visíveis. A maior lagoa da região encolheu 30%. Rios estão secando, nascentes desapareceram. Uma área, por onde o vaqueiro Claudionor Ribeiro passava todos os dias, era um brejo que matava a sede da boiada. Ele conta até onde chegava a água antes da seca dos rios. “Às vezes na capa da cela e quando ficava mais rasa, nas patas do cavalo. E a gente, se precisasse, só fazia abaixar na cela e beber”.
Na região da Serra Vermelha, de grande importância ambiental, três biomas se encontram no mesmo lugar: Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, a mais ameaçada entre todos os biomas brasileiros. Restam apenas cerca de 7% da cobertura original da Mata Atlântica no país. Por isso, qualquer desmatamento é proibido, nenhuma árvore pode ser derrubada. Mas no Piauí as carvoarias desrespeitam a lei e com a conivência de quem deveria proteger a floresta.
As carvoarias têm licença de funcionamento dada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, mesmo instaladas dentro da Mata Atlântica. O único escritório do Ibama no local tem dois fiscais e uma área do tamanho do estado de Sergipe pra dar conta.
“Tem muita produção ilegal e o Ibama não dá conta. Dois servidores não dá para fazer. Muito do consumo das grandes siderúrgicas chega lá como legal, mas de produtores ilegais que não estão licenciados a fazer carvão e fazem carvão e vendem para terceiros”, diz o analista ambiental do Ibama Hamilton Cavalcanti Júnior.
A produção do Piauí – a legal e a ilegal – carrega cerca de 15 caminhões por dia. O carvão viaja quase dois mil quilômetros praticamente sem barreiras nas estradas. O polo siderúrgico de Sete Lagoas, em Minas Gerais é o destino de todo o carvão que sai do Piauí. Muitos dos fornos – que produzem ferro gusa – se alimentam da destruição das matas nativas.
Das 61 indústrias que funcionam na região, menos de dez consomem carvão de procedência legal. Uma delas começou há 15 anos a plantar sua própria floresta. Só em uma fazenda tem 21 mil hectares de eucalipto. “O mundo hoje está exigindo receber ferro gusa verde, de floresta plantada, que tem certificação de floresta plantada, o mundo hoje está exigindo isso”, explica o diretor de empresa Antônio Tarcísio Andrade.
Para o sindicato das indústrias, a saída é a nova lei florestal do estado de Minas que vai obrigar as empresas a consumir carvão vegetal apenas de floresta plantada. A nova lei mineira estabelece um prazo: a partir de 2017, 95% do carvão consumido pelas indústrias de ferro gusa deverão ser de floresta plantada. (Fonte: Globo Natureza)