Terra preta de índio pode enriquecer o solo pobre em nutrientes da Amazônia
Pesquisa multidisciplinar coordenada pela Embrapa realiza pela primeira vez estudo para desenvolver modelo de fertilização para ajudar na agricultura
Manaus, 20 de Julho de 2011
Surgido há dois mil anos, o solo conhecido como terra preta do índio pode ser, daqui a três anos, a solução para a agricultura produzida na região, quando uma pesquisa iniciada há um mês for concluída.
Arqueólogos, pedólogos (estudioso do solo), químicos e físicos de solo, agrônomos, geógrafos, entre outros especialistas empreendem um estudo cujo objetivo é replicar o processo de criação e evolução da terra preta de índio, considerado o mais fértil da Amazônia brasileira.
A formação deste tipo de solo era resultado da decomposição de restos de plantas e animais, como mandioca e espinhas de peixes, e materiais orgânicos.
Como consequência, a terra tornava-se rica em cálcio, fósforo e outros nutrientes. Para adquirir a coloração escura, a terra era carbonizada. Uma das suas principais características é alta resistência.
Um ingrediente importante era o carvão queimado a baixa temperatura. Grandes quantidades de cerâmica ajudaram a preservar a terra preta durante muito tempo.
Resistência – Embora já conhecida de arqueólogos e especialistas em solo, a terra preta de índio nunca havia recebido uma equipe disposta a estudá-la durante tanto tempo. O trabalho de campo – e, posteriormente, a análise em laboratório – está sendo realizado em um sítio arqueológico localizado no Campo Experimental Caldeirão, da Embrapa Amazônia, no município de Iranduba (a 27 quilômetros de Manaus.).
“A terra preta de índio tem vantagens em relação ao solo adjacente. Seus teores são superiores, a granulometria é mais arenosa e possui resiliênsia. Ou seja, é mais resistente e tem mais nutrientes. Os solos comuns, por exemplo, são argilosos”, explica o agrônomo da Embrapa e especialista em manejo e conservação do solo Gilvan Martins, um dos participantes do projeto.
O coordenador geral do projeto e pesquisador da Embrapa, Orlando Paulino, conta que o propósito do projeto é buscar um modelo de criação e evolução para que, futuramente, os dados sejam replicados em outros solos, de modo a assegurar a agricultura e a segurança familiar da região.
“Estes são solos receberam muita atividade humana e conseguiram uma elevada fertilidade quando comparada aos outros solos. Quando sofre impacto, consegue retornar ao estado natural. Mesmo com muito uso, continua ainda com altas propriedades de nutrientes”, explica Orlando Paulino.
A terra preta de índio teria surgido de forma não intencional e pouco se sabe se ela foi manejada propositalmente a partir de sua “descoberta”, há 9 mil anos, segundo os especialistas.
Metodologia – Morgan J. Schmidth, coordenador dos alunos de arqueologia que estão trabalhando no sítio-escola, acredita que a terra preta era cultivada em quintais das populações pré-colombianas.
“A terra preta ficava ao redor das casas. Era mais para cultivo de quintal, parecido com o que acontece hoje, nas casas dos caboclos”, explica.
Conforme Schmidth, norte-americano que atua há vários anos em estudos de solo de várzea e terra-firme na Amazônia, a característica destes sítios é a sua localização em beiras de barranco.
Geralmente são extensos e estão localizados em locais privilegiados, como acesso tanto à terra firme quanto à várzea.
Na coordenação dos alunos, Schmidth, que atualmente é pesquisador do Museu Emilio Goeldi, de Belém (PA), adotou uma metodologia que inclui topografia e trincheiras para coleta de amostras. O trabalho de campo vai durar um mês. Participam dele alunos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e instituições de outros Estados.
Com as escavações, é possível não apenas retirar amostras (que futuramente deverão ser datadas) mas identificar a espessura das camadas da terra preta.
Registros – A terra preta de índio não é restrita a cidades como Iranduba e Manacapuru. Municípios como Parintins, Boa Vista do Ramos e Maués também apresentam registros deste tipo de solo.
O solo não é encontrado, porém, em áreas como calha do Juruá ou Alto Rio Negro, segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade do Estado de São Paulo (MAE/USP).
Eduardo Góes Neves desenvolve pesquisas sobre terra preta de índio desde os anos 90. Ele chegou a realizar trabalhos em Iranduba, propões à prefeitura daquele município a construção de um centro de pesquisa que não foi aceito pelo Executivo.
Ele chama atenção para a necessidade do poder público incluir nos planejamentos urbanísticos a proteção da terra preta de índio. Caso contrário, as áreas continuarão desaparecendo.
Segundo o arqueólogo, apesar de já haver registros de terra preta de índio há dois mil anos, o apogeu deste tipo de solo aconteceu entre os séculos 7 e 11 D.C, a época em que a densidade demográfica das populações nativas aumentou e chegou ao ápice.
“A impressão que a gente tem é que havia área de capoeira e era uma região bem antropizada (recebia ação humana). Ela deve ter formado ao caso, mas esta situação não está bem clara. Posteriormente, as populações podem ter utilizado como recurso para fazer agricultura ou plantio de pimenta, tabaco, planta medicinal”, diz.
Eduardo Góes Neves, que esta semana visitou o sítio-escola Caldeirão, em Iranduba, considera parceria da Embrapa com outras instituições “muito positiva” .
“Os solos nos trópicos, normalmente, perdem os nutrientes rapidamente. Tem que adubar o tempo inteiro por causa da chuva, da evaporação. Já a terra preta não perde a fertilidade. Se a gente conseguir porque tem esta estabilidade, pode ser uma importante contribuição para a agricultura tropical”, analisa. (Fonte: A Crítica/ AM)