Quarto maior consumidor de fertilizantes e um dos líderes mundiais no uso de agrotóxicos, o Brasil começa a expandir duas novas tecnologias naturais para aumentar a fertilidade dos solos e combater pragas. Resultado de pesquisas nacionais, os fertilizantes orgânicos da Embrapa e o controle de pragas com uso de vespas e ácaros, da empresa brasileira BUG, são opções sustentáveis que garantem a produtividade e saúde da lavoura.
A primeira novidade será lançada pela Embrapa no início de abril e deve estar disponível no mercado em breve. A partir de resíduos agroindustriais poluentes, como fezes de porco, a empresa desenvolveu dois tipos de fertilizantes orgânicos, tão eficientes quanto os tradicionais segundo a Embrapa. Por reaproveitar os resíduos, a tecnologia é considerada um tipo de reciclagem.
Um dos fertilizantes já tem nome. É o “agroporco”. O outro, ainda sem nome oficial, é produzido a partir de um resíduo da produção de frango de corte, chamado cama de aviário. A eles são misturados minerais, que ajudam na penetração dos nutrientes no solo.
Mercado – A nova tecnologia pode transformar o mercado brasileiro de fertilizantes. A expectativa é que em 20 anos ela abasteça até 20% da necessidade nacional e diminua a dependência internacional – hoje, 75% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados, segundo a Embrapa Solos.
Além disso, esta pode ser uma importante tecnologia para tratar os resíduos agroindustriais, que podem contaminar o meio ambiente e são produzidos em alta quantidade no Brasil – que possui um dos maiores rebanhos mundiais e é um grande criador de frango de corte.
“Importamos muito fertilizante e temos muito resíduo animal no Brasil, que é um passivo ambiental. A tecnologia resolve os dois problemas. Estamos falando de [abastecer] 20% da demanda nacional de fertilizante. É algo fantástico”, afirma José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos.
Segundo Polidoro, os fertilizantes organominerais podem ser mais eficientes que os tradicionais e são mais adequados à região tropical, já que liberam mais rapidamente os nutrientes. Além disso, eles têm “menor potencial de provocar problemas ambientais”, ou seja, de contaminar águas e solos.
Vespas e ácaros – Outra opção natural e eficiente para a agricultura é o controle biológico de pragas, que está conquistando produtores, pequenos e grandes, e ganhando reconhecimento no mercado. O destaque nacional é a empresa BUG, sediada em Piracicaba (SP), que entrou na lista das 50 empresas mais inovadoras do mundo em 2012, da revista americana de empreendedorismo “Fast Company”.
Dividindo a lista com gigantes como Google, Facebook e Amazon e desbancando grandes empresas nacionais como Petrobras e Embraer, a BUG nasceu nos laboratórios de duas importantes universidades brasileiras: a Unesp e a USP. Os sócios da empresa fizeram faculdade juntos e depois voltaram a se encontrar no mestrado. Em seguida, eles desenvolveram uma forma de aplicar as pesquisas acadêmicas em larga escala.
“Na universidade, já havia sido desenvolvido um sistema de produção [de controle biológico de pragas] em pequena escala, com o qual nós também colaboramos. Nós pegamos este sistema e desenvolvemos tecnologia para aplicá-lo em massa. Hoje temos biofábricas, produzimos organismos e levamos isto para o campo”, conta Marcelo Poletti, um dos sócios da BUG.
O princípio do controle biológico aplicado é combater pragas com insetos parasitas. Na BUG, são produzidas vespas do gênero Trichogramma. Elas atacam ovos de mariposas e borboletas e combatem a lagarta, grande inimiga de importantes lavouras, como cana e soja. Além disso, a BUG produz ácaros que combatem inimigos de plantações de hortifrutis e flores.
Os inimigos naturais substituem os agrotóxicos, que podem contaminar os alimentos, o meio ambiente e a saúde de quem faz a aplicação. Além de ecológica, a alternativa chega a ser mais eficiente que os químicos, cujo uso contínuo pode fazer as pragas ficarem resistentes. “A resistência da praga ao inseticida acaba prejudicando muito a aplicação [de agrotóxico]. Já com o controle biológico isso não acontece. A praga não fica resistente ao predador, à vespinha ou ao ácaro”, explica Poletti.
Na aplicação, cartelas de ovos de vespas são colocadas na plantação. Quando elas nascem, o controle de pragas ocorre naturalmente. Os produtos são registrados no Ministério da Agricultura, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Ibama. Ao contrário dos agrotóxicos, as embalagens não contêm o símbolo da caveira.
Embrapa – “Vamos oferecer dois produtos específicos e tivemos que fechar uma fórmula. Mas existe uma variedade muito grande de fórmulas possíveis para fertilizantes organominerais”, conta Vinicius Benites, também pesquisador da Embrapa Solos. Por isso, existe a possibilidade de oferecer novas linhas no mercado.
A partir do lançamento oficial dos produtos, a ideia da Embrapa é estimular a criação de unidades de produção em pequena e média escala em todo o Brasil. “Nosso interesse é estimular a indústria. Aí sim, esse tipo de fertilizante poderá abastecer no futuro até 20% da demanda nacional”, explica Polidoro.
A tecnologia, desenvolvida pela Embrapa há 5 anos, foi finalizada em 2011. Mas ela só começa a ser transferida em 2012 devido ao tempo necessário para registrar patentes. “Agora a tecnologia está pronta para ser transferida. Sabemos que ela é viável e temos estimativas de custos de produção”, comenta Vinicius Benites. Uma fábrica para produzir 30 mil toneladas de fertilizante organomineral, por exemplo, teria um custo de instalação de cerca de R$ 4 milhões.
Além da produção comercial, a tecnologia pode ser usada para resolver problemas ambientais. É o caso da hidrelétrica de Itaipu, que está preocupada com a segurança da qualidade da água do reservatório devido a uma possível contaminação por resíduos da suinocultura, forte na região. Juntas, Embrapa e Itaipu estão desenhando um projeto para produzir fertilizantes organominerais e eliminar os resíduos.
BUG – Já a aplicação do controle biológico de pragas já é uma realidade. As vespas da BUG, por exemplo, atendem mais de 500 mil hectares de plantações de cana no Brasil, principalmente em São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Os ácaros estão presentes em outros mil hectares de hortifruti.
Além da BUG, outras empresas exploram o controle biológico e planejam aumentar sua participação no lucrativo mercado de combate a pragas agrícolas. A Associação Brasileira de Controle Biológico já conta com mais de 19 empresas, que também trabalham com fungos e bactérias.
“No Brasil, o controle biológico representa apenas 1% do valor da receita obtida com a venda de agrotóxicos. O que nós estimamos, sendo muito otimistas, é que em 5 anos vamos chegar em 8%. Hoje já temos grandes multinacionais investindo no setor, o que vai ajudar a aumentar esse número”, afirma Poletti.
Uma barreira para a expansão do controle biológico é a resistência dos agricultores, que está diminuindo. “Nós apresentávamos o produto para o agricultor e ele dizia: ‘eu já tenho problemas com inseto, você quer trazer mais inseto?’”, conta o sócio da BUG. “Eles achavam que as vespas e os ácaros iam causar danos à cultura. Muitas pessoas nunca imaginaram que os insetos poderiam ser usados com essa função e estão descobrindo isto agora.”
O agricultor Adalberto Granghelli, que planta tomate em Jaquariúna (SP), é um deles. “Eu comecei [a usar as vespas] meio incrédulo. Comecei fazendo testes em pequenas áreas e hoje uso em toda a plantação, substituindo algumas aplicações de agrotóxico. Meus funcionários também não acreditavam e hoje reclamam quando eu não compro os ovos”, comenta ele, satisfeito com a nova tecnologia.
O custo para o produtor é, segundo a BUG, menor que o da aplicação de agrotóxicos. “Inicialmente, quando é feita a transição do convencional para o biológico, o custo é o mesmo. Mas, quando se considera todo o ciclo da cultura há uma economia de 30 a 40%”, diz Poletti. Uma alternativa que, além de ecológica, pode ser mais eficiente e mais econômica. (Fonte: Amanda Rossi/ Globo Natureza)