As pessoas que vivem em zonas de clima temperado, como regiões interioranas e zonas industriais do ocidente, o aquecimento global gera uma ansiedade que pode beirar o pânico, mas de maneira quase impossível de se notar. O inverno sutil que a costa leste enfrentou este ano pode ter parecido um sinal ameaçador, embora tenha providenciado um clima agradável, e na maior parte do tempo outros problemas sociais, econômicos e políticos parecem ter tido uma importância muito maior do que a sobrevivência humana.
Existe também um grupo de pessoas que formou uma subcultura propensa a gerar controvérsia a respeito da mudança climática e da preservação do meio ambiente, dizendo que o aquecimento global não passa de farsa. Uma conspiração liberal! Como se tudo não passasse de um esquema idealizado por cientistas gananciosos e organizações internacionais que procuram fazer com que nós tenhamos culpa por nossos carros e sacolinhas de supermercado!
Em outras regiões do mundo, no entanto, a questão é mais alarmante. “The Island President” (O Presidente da Ilha, em tradução literal), um documentário de Jon Shenk, visita as Ilhas Maldivas, um arquipélago de cerca de 1.200 ilhas localizadas no Oceano Índico, das quais cerca de 200 são habitadas. O país é descrito como “o céu na Terra”, com suas praias de areia branca e águas cristalinas que se tornaram um refúgio para turistas ricos. Mas embora o filme possua imagens aéreas e submarinas espetaculares da beleza das Ilhas Maldivas, ele foca a maior parte de sua atenção em uma realidade menos agradável.
Durante 30 anos o país foi governado por Maumoon Abdul Gayoom, um ditador que adotava uma postura autoritária de prender, torturar e aterrorizar todos os seus adversários. Entre eles estava Mohamed Nasheed, que depois de anos como ativista pró-democracia e prisioneiro político foi eleito presidente, aos 41 anos de idade, em 2008.
Assim que assumiu o cargo, Nasheed enfrentou uma crise ambiental catastrófica. O aumento constante do nível dos oceanos causado pelo derretimento do gelo polar e o aumento das temperaturas globais já haviam gerado graves casos de erosão em algumas ilhas do arquipélago e a eventual inundação desta pequena e vulnerável nação está começando a parecer inevitável ao invés de apenas assustadoramente plausível.
Shenk e sua equipe tiveram acesso livre ao gabinete de Nasheed durante seu primeiro ano no poder e o “Presidente da Ilha” parece registrar a energia, por vezes quase caótica, de um líder jovem e ambicioso diante de enormes desafios. Informativo, o vídeo compartilha diversas informações de um ponto de vista privilegiado, como por exemplo ao revelarem entrevistas feitas com Nasheed, imagens de seus conselheiros e de sua esposa intercaladas com cenas da agitada vida de um político pós-moderno. Nasheed se reúne com membros de seu gabinete e assessores ambientais britânicos, participa da filmagem de anúncios de serviço público (incluindo um em que estar em uma reunião embaixo d’água, filmado utilizando um equipamento de mergulho), faz pausas para fumar um cigarro e viaja para uma série de conferências sobre a mudança climática.
A última delas, a Cúpula contra a Mudança Climática de Copenhague, dá ao filme o seu clímax, à medida que Nasheed se torna uma peça fundamental em uma série de complexas negociações que ele esperava poderem levar a um acordo internacional sólido para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Embora o filme apresente um relato razoavelmente claro sobre as questões técnicas envolvidas – não há muita discussão sobre quais são os graus aceitáveis de aquecimento, centímetros de aumento do nível do oceano e o quanto de dióxido de carbono é despejado no ar – ele também foca em alguns dos rituais de poder e diplomacia que ocorrem no século 21.
Nasheed, um homem sério, bonito, bem vestido e bem-educado parece se sentir em casa neste mundo da alta política mundial, embora seja muitas vezes criticado por seus aspectos pouco funcionais. Ele é um debatedor ágil que tem uma forte presença de câmera e que parece combinar seu jeito infantil de ser com uma certa auto-confiança tecnocrática.
Em Copenhague – e alguns meses antes, em uma sessão da ONU em Nova York – ele tentoi usar sua autoridade moral como líder de uma pequena nação em perigo para trazer alguns dos políticos mais céticos e cautelosos do mundo em desenvolvimento para o seu lado. Mas as complexidades geopolíticas são assustadoras e os obstáculos estruturais para poder realizar qualquer tipo de mudança parecem impor cada vez mais dificuldades.
Nasheed também enfrenta dificuldades em casa, embora além da elevação dos oceanos, nenhuma pareça tão importantes para ele quanto o meio ambiente. Até que após a narrativa somos informados que ele foi forçado a deixar o poder no mês passado, mais de dois anos após a conclusão das filmagens. Outra nota relata que, naquela época, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera continuaram a aumentar.
O otimismo é da natureza dos líderes políticos, especialmente dos democráticos, e insistir que soluções podem ser encontradas até mesmo para os problemas mais difíceis faz parte disso. Documentários que lidam com assuntos politicamente engajados, principalmente aqueles feitos por cineastas americanos, também possuem essa tendência, oferecendo uma certa garantia implícita, mesmo que acabem falando a respeito das más condições do mundo em que vivemos. A conscientização virá à tona. Os progressos necessários serão feitos. Duvidar disso pode soar como cinicismo.
“The Island President” é positivo o suficiente para impedir que isso aconteça. É impossível torcer contra Nasheed ou a acreditar que ele vai fracassar enquanto assistimos o documentário. Mas a esperança que este filme gera faz com que a experiência de sair do cinema e contemplar um iminente desastre que os líderes mundiais parecem ser incapazes de evitar um pouco perturbadora. (Fonte: Portal iG)