Quando se pensa em Floresta Amazônica, muita gente tem a ideia de que há centenas de anos, ela era uma mata virgem, intocada. Estudos de diversas áreas estão derrubando essa teoria. A floresta não só foi densamente povoada como estes povos foram responsáveis por uma das maiores riquezas da região, um solo altamente fértil: a terra preta de índio.
A floresta exuberante esconde um solo é fraco e argiloso. A riqueza dele vem da decomposição de galhos, folhas, animais. Mas na imensidão da Região Amazônica existem manchas de um solo bem diferente. A terra muda de cor conforme a profundidade. No fundo, é amarelada e argilosa. Na superfície, é preta. Essa é a terra preta de índio, uma terra fértil e cheia de histórias.
A cidade de Manacapuru fica a 85 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. Há centenas de anos, essas áreas eram habitadas por índios. No local onde moravam se encontram as manchas de terra preta. Daí vem o nome terra preta de índio. É um solo criado pelos índios, como diz Newton Falcão, agrônomo do INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
“Toda a parte escura foi resultado de deposições de restos de capina e de ossos de peixe que seria o lixão do índio. Isso é material orgânico. Não tem plástico, não tem vidro e não tem lata. Eles também usavam o fogo para queimar. Então, a combinação da deposição de grande quantidade de material orgânico fresco com um pouco do material que eles queimaram, foi formando esse perfil considerado bastante fértil e manteve a riqueza de nutrientes durante varia décadas”, explica Falcão.
Normalmente, as áreas de terra preta ficam próximas de rios, em lugares muito bonitos. Em áreas onde a terra foi revolvida pelos agricultores para o plantio costumam surgir vestígios dos antigos moradores. Esse é o caso do sítio onde as mulheres trabalham embalando o maxixe cujo chão está cheio de cacos de cerâmica. Os fragmentos que ajudam a recompor o quebra-cabeça da história da terra preta.
“Uma área com uma concentração grande de urnas funerárias dá claros indícios de que se trata de um cemitério. E está inserido num sítio arqueológico de terra preta com mais de três quilômetros de extensão que foi ocupado intensamente ao longo de muitos séculos”, diz Helena Lima, arqueóloga da UFAM, universidade do Amazonas.
Para estudar a terra preta são abertas muitas trincheiras nas centenas de sítios arqueológicos espalhados na Amazônia. A cidade de Santarém, no Pará, foi construída sobre área de terra preta. Por isso, em qualquer canteiro de obras é comum encontrar pedaços de cerâmica. Muitas peças encontradas em escavações estão expostas em um laboratório. Para encontrar novos sítios arqueológicos, os pesquisadores contam com a ajuda de moradores da região.
Até bem pouco tempo, o terreno que pertence à Universidade Federal do Oeste do Pará era um campo de futebol. Agora, a área virou campo de pesquisa. Como a universidade tem planos de construir no local, os professores de arqueologia fazem o trabalho de resgate. A professora Denise Gomes observou a diferença de cor na terra.
“A gente encontrou algumas feições arqueológicas em forma de buracos. Foi cavado e colocado lixo formado por fragmentos cerâmicos, objetos de pedra lascada e algumas rochas”, detalha Denise.
Em muitas partes, a riqueza vem sendo destruída. A arqueóloga denuncia que a terra preta de índio está sendo retirada dos sítios arqueológicos e usada de maneira indevida. “Para venda de terra preta arqueológica com finalidade de adubar hortas e plantações. Se houvesse um controle nesse sentido, seria interessante”, diz Denise.
A venda da terra preta é anunciada na beira da estrada, onde há uma montanha do produto. O dono do negócio é o comerciante Augusto Tenório da Silva. “A terra vem de vários lugares por aí”, diz.
Todas as áreas de terra preta são consideradas sítios arqueológicos em potencial. A retirada dessa terra é proibida por lei.
Às margens do rio Solimões, no município de Iranduba, Amazonas, há mais escavações no sítio escola dentro da área da Embrapa Amazônia Ocidental. Cada tenda branca é uma unidade de escavação. O químico e pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental Orlando Paulino é um dos coordenadores do sítio escola.
“Antigamente, pensava-se que só existia na Amazônia. Mas, recentemente, foram encontradas terra preta de índio no México e na África, considerada o berço da civilização”, diz Paulino.
Para divulgar a importância da terra preta de índio e contribuir pra sua preservação, uma das atividades do sítio é a visita de professores do município. Em Manacapuru, à beira do rio Solimões, há muuitas pessoas cultivando a terra. |Agricultores como Lázaro da Costa, de 68 anos, estão sempre encontrando pedaços da história em seu terreno. Mas, com medo de serem impedidos de trabalhar a terra, muitos escondem seus achados.
O uso das áreas de terra preta para a agricultura é assunto que divide os especialistas. Para a arqueóloga Helena Lima, o manejo não mecanizado do solo não é prejudicial. “Preservar um sítio arqueológico é manter a estrutura congelada? Será que isso é realmente preservar um sítio arqueológico? Eu acredito que essa própria agricultura, nos moldes tradicionais, que os ribeirinhos amazônicos têm praticado, podem estar contribuindo para a preservação desses sítios arqueológicos”, diz.
O agrônomo Newton Falcão, que estuda a terra preta junto com os agricultores, coleta amostras da terra para levar para o laboratório do INPA. “Ver se a terra preta apresenta um alto nível de fertilidade e a instabilidade em consequência da grande quantidade de carvão”, explica.
O agrônomo também tem o objetivo de criar uma terra preta artificialmente. Para isso, testa a carbonização de várias plantas a diferentes temperaturas. Enquanto não se consegue criar mais terra preta, os agricultores aproveitam ao máximo as poucas áreas existentes.
A terra preta de índio faz o agrônomo sonhar em ter um solo tão fértil. Os arqueólogos sonham em conhecer a história contida no solo. Para quem vive da terra, saber a origem da terra preta de índio é uma questão de identidade.
A terra preta de índio tem despertado o interesse de pesquisadores estrangeiros. No começo de julho, será realizado em Manaus um seminário internacional com participantes de outros países, como os Estados Unidos e a Holanda. (Fonte: Globo Natureza)