Não é todo dia que uma imagem de Zé Carioca ilustra uma apresentação sobre genômica, mas o malandro arquetípico da Disney tinha um bom motivo para figurar no Powerpoint de Francisco Prosdocimi, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): o tema era o genoma “dele”.
Ou melhor, o do papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), que está entre as espécies mais comuns do bicho em cativeiro. O objetivo de Prosdocimi e seus colegas é vasculhar o DNA da ave em busca de pistas que ajudem a explicar sua proverbial tagarelice.
Para atingir esse objetivo, o papagaio-verdadeiro não é o único alvo. O grupo de cientistas, batizado de Sisbioaves, pretende sequenciar (grosso modo, “soletrar”) o genoma de outras espécies tipicamente brasileiras, como o sabiá-laranjeira e o bem-te-vi.
Em comum, esses bichos possuem o chamado aprendizado vocal -a capacidade, similar à dos seres humanos, de aprender padrões de vocalização ao longo da vida.
Detalhes sobre o projeto foram apresentados durante o 58º Congresso Brasileiro de Genética, em Foz do Iguaçu.
“A gente sabe que o aprendizado vocal é polifilético [ou seja, evoluiu mais de uma vez em linhagens sem parentesco próximo]”, explica Claudio Mello, brasileiro que trabalha na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon (Estados Unidos).
“Portanto, se a gente encontrar genes relevantes para esse comportamento que são compartilhados entre os vários grupos de aves e os humanos, provavelmente isso quer dizer que eles representam a base do aprendizado vocal”, diz Mello.
Na maioria das aves, afirma Mello, existe o chamado período crítico de aprendizado – uma fase da “infância” do bicho na qual ele precisa ser exposto ao canto de outro animal para que ele aprenda a cantar de forma apropriada, coisa que também se verifica no caso da fala humana. Já os papagaios parecem ser mais versáteis, sendo capazes de aprender a imitar sons humanos em praticamente qualquer fase de sua vida.
A estimativa de Prosdocimi e de sua colega Maria Paula Schneider, da UFPA (Universidade Federal do Pará), é que a leitura dos genomas do papagaio e do sabiá-laranjeira esteja concluída em meados do ano que vem.
Segundo o pesquisador da UFRJ, que é bioinformata (especialista na análise computacional de dados biológicos), espera-se que os bichos tenham genomas relativamente compactos, com menos da metade do tamanho do genoma humano.
Os pesquisadores ainda não encontraram, nos papagaios, o equivalente ao gene FOXP2, hoje um dos grandes candidatos a influenciar a capacidade humana para a fala. Mas não é só o lado vocal que interessa aos cientistas.
Prosdocimi destaca que os papagaios são inteligentes de modo geral. E vivem muito, passando dos 70 anos, o que traria pistas sobre as bases genéticas da longevidade. (Fonte: Reinaldo José Lopes/ Folha.com)