Os enólogos vêm discutindo, há mais de uma década, o impacto das mudanças climáticas sobre as uvas. Agora, cientistas estão levantando uma nova pergunta: quando o cultivo de uvas é levado a novas áreas, supondo que as mudanças climáticas tenham deixado os habitats anteriores para a viticultura impróprios, quais serão os efeitos disso para os animais e as plantas dessas novas regiões? Haverá um conflito entre o prosecco e os pandas na China?
Rebecca Shaw, cientista do Fundo de Defesa Ambiental, nos EUA, disse que transferências desse tipo têm “o potencial de ameaçar a sobrevivência da fauna e flora silvestres”.
Ou, nas palavras de um estudo publicado por ela no periódico “Proceedings of the National Academy of Sciences”, “os vinhedos exercem efeitos duradouros sobre a qualidade dos habitats e podem ter impacto importante sobre as fontes de água doce”.
Além da introdução de fertilizantes e agrotóxicos esterilizantes, os vinhedos maduros “têm baixo valor de habitat para espécies nativas e são visitados com mais frequência por espécies não nativas”. Shaw acredita que a chegada da agricultura de todos os tipos em terras antes frias e inóspitas deve se pautar em alguma medida por seu impacto sobre esses ecossistemas.
O setor vinícola já passou por mais de 15 anos de mudanças impostas pelo clima, que foram marcadas pelo cultivo de uvas em regiões antes frias demais e o estabelecimento de vinícolas como a Burrowing Owl Estate, na Colúmbia Britânica, e a Yaxley Estate, na Tasmânia.
A autora do artigo prevê que, sob a maioria dos modelos climáticos, até 47% das terras próprias para o cultivo de uvas de vinho serão perdidas em áreas do Chile com clima de tipo mediterrâneo. No oeste da América do Norte, 59% das terras produtoras de uvas serão gravemente afetadas. Também 74% dessas terras na Austrália deixarão de ser compatíveis com a viticultura.
Nas áreas mediterrâneas da Europa, 85% das terras hoje próprias para a viticultura se tornarão impróprias até 2050.
Mas é a chegada da viticultura a regiões mais selvagens que leva os conservacionistas a temer mais pelos animais e plantas nativos que poderão ser deslocados.
A cientista Lee Hannah, da Conservation International (com sede em Arlington, na Virgínia), acredita que o oeste da América do Norte passa por um grande crescimento de áreas próprias para o cultivo de uvas para a produção de vinho, especialmente nas montanhas Rochosas, na região de fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos. Boa parte dessa região é cobiçada por conservacionistas interessados em criar um corredor de migração livre de fauna selvagem entre Yukon e Yellowstone.
O cientista ambiental Robert Pincus, da Universidade do Colorado, observou que viticultores austríacos, dez anos atrás, estavam falando em transferir suas plantações para altitudes maiores. “A dúvida é: queremos nosso Grüner Veltliner ou queremos que ainda restem algumas terras intocadas na Europa?”, disse ele.
“No caso do Chile e da Califórnia, será mais difícil. É difícil argumentar contra a viticultura, forte nessas regiões.” (Fonte: Folha.com)