O consumo interno do Brasil e as exportações de soja, carne bovina e outros produtos primários provenientes da Amazônia são responsáveis por mais da metade das taxas de desmatamento e, consequentemente, das emissões de gases de efeito estufa (GEE) registradas pelo bioma.
A avaliação é de um estudo realizado por pesquisadores da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), da USP (Universidade de São Paulo), apresentado durante a 1ª Conclima (Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), que ocorreu em São Paulo.
“Mais da metade das emissões de GEE da Amazônia acontecem por conta da demanda de consumo fora da região, para abastecimento interno do país ou para exportação”, disse Joaquim José Martins Guilhoto, professor da FEA e um dos pesquisadores participantes do projeto.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, obtidos do segundo Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa (publicado no final de 2010, abrangendo o período de 1990 a 2005), o Brasil emitiu mais de 2,1 gigatoneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) em 2005. A Amazônia contribui com mais de 50% das emissões de GEE do país.
A fim de identificar e entender os fatores econômicos causadores do desmatamento e das emissões de GEE na Amazônia naquele ano, os pesquisadores fizeram um mapeamento das emissões diretas por atividade produtiva separando a região amazônica do restante do Brasil e calcularam a parcela de contribuição de cada um na emissão de CO2 equivalente, assim como a participação das exportações.
Os cálculos revelaram que as exportações diretas da Amazônia são responsáveis por 16,98% das emissões de GEE da região. Já as exportações do resto do país são responsáveis por mais 6,29% das emissões da Amazônia, uma vez que há produtos provenientes da região que são processados e exportados por outros estados brasileiros.
O consumo interno, por sua vez, responde por 46,13% das emissões amazônicas, sendo 30,01% pelo consumo no restante do país e 16,12% pelo consumo dentro da própria Região Amazônica, aponta o estudo.
“A soma desses percentuais demonstra que mais de 50% das emissões de GEE da Amazônia ocorrem por conta do consumo de bens produzidos na região, mas consumidos fora dela”, afirmou Guilhoto. “Essa constatação indica que os fatores externos são mais importantes para explicar as emissões de GEE pela Amazônia.”
Segundo o estudo, a pecuária, a produção de soja e de outros produtos agropecuários são os setores produtivos que mais contribuem para as emissões de GEE pela Amazônia. Mas, além deles, há outros setores econômicos, como o de mobiliário, entre outros, que são fortemente dependentes de insumos produzidos na região.
“De modo geral, apesar de haver uma dependência muito maior da Amazônia pelos insumos produzidos pelo resto do Brasil, a pouca dependência que o resto do Brasil tem do bioma se dá em insumos fortemente relacionados com a emissão de GEE na região”, resumiu Guilhoto.
Maior extensão de floresta tropical da Terra, a Amazônia é rica em biodiversidade e um dos maiores depósitos de carbono do planeta. Sua exploração deve inspirar cuidados constantes, pois ela tem papel no equilíbrio do meio ambiente Leia mais lubasi/Wikimedia Commons
Redução do desmatamento
Outro estudo também realizado por pesquisadores da FEA constatou que, entre 2002 e 2009, houve uma grande expansão da área de produção agropecuária brasileira e, ao mesmo tempo, uma redução drástica das taxas de desmatamento da Amazônia.
A cana-de-açúcar, a soja e o milho responderam por 95% da expansão líquida da área colhida entre 2002 e 2009, enquanto o rebanho bovino teve um acréscimo de 26 milhões de cabeças de gado. Nesse mesmo período a Amazônia registrou uma queda de 79% do desmatamento.
Para investigar os principais vetores do desmatamento no país, uma vez que boa parte dos eventos de expansão agropecuária ocorre fora da Amazônia, os pesquisadores fizeram um estudo com análises espaciais integradas do território brasileiro, incluindo os seis biomas do país.
Para isso, utilizaram dados sobre desmatamento obtidos do Projeto Prodes, do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), além de imagens georreferenciadas obtidas dos satélites Landsat, da agência espacial americana Nasa.
O estudo revelou que, no período de 2002 a 2009, foram desmatados 12,062 milhões de hectares da Amazônia, 10,015 milhões de hectares do Cerrado, 1,846 milhão de hectares Caatinga, 447 mil hectares do Pantanal, 375 mil hectares da Mata Atlântica e 257 mil hectares do Pampa.
“A soma desses números indica que o Brasil desmatou em sete anos o equivalente ao Estado de São Paulo mais o Triângulo Mineiro ou um Reino Unido”, calculou Rafael Feltran-Barbieri, pesquisador da FEA e um dos autores do estudo.
De acordo com o pesquisador, uma das principais conclusões do estudo foi que os outros biomas estão funcionando como uma espécie de ‘amortecedor” do desmatamento da Amazônia.
“Quando consideramos a expansão agropecuária do Brasil como um todo, vemos que boa parte da redução das taxas de desmatamento da Amazônia se deve ao fato de que os outros biomas estão sofrendo essas consequências [registrando aumento no desmatamento]”, afirmou.
Outra conclusão do estudo é de que há um impacto espacial sinérgico dos vetores do desmatamento no Brasil, uma vez que a expansão das diversas atividades agropecuárias – como o cultivo da cana e da soja ou a criação de gado – ocorre de forma concomitante e disputa território.
No caso da cana-de-açúcar, uma das constatações foi que, no período de 2002 a 2009, a cultura passou a ocupar áreas desmatadas por outras atividades agropecuárias, embora ela própria não tenha vocação para desmatar.
“Estamos percebendo que existe uma formação quase complementar entre as expansões [nos diferentes biomas] e isso faz com que os efeitos de desmatamento sejam altamente correlacionados’, disse Feltran-Barbieri.
“Se o Brasil pretende assumir uma posição de fato responsável em relação às mudanças climáticas – e disso depende a agropecuária -, é preciso fazer planejamento estratégico do território, porque o planejamento setorial não está dando conta de compreender esses efeitos sinérgicos”, avaliou. (Fonte: Agência Fapesp)