A construção de uma barragem no Rio Piracicaba em trecho da cidade de Santa Maria da Serra (SP) e a consequente instalação de um porto fluvial em Ártemis, distrito na zona rural de Piracicaba (SP), dividem a opinião de moradores e especialistas em todas as áreas afetadas pela mudança no nível do rio. Dois empresários donos de propriedades na região que será atingida simbolizam o duelo entre os favoráveis e os contrários ao projeto e representam a completa oposição de opiniões. Ambos devem lucrar com o complexo de empreendimentos, mas enquanto um é “frontalmente contra” a barragem, o outro apoia e diz que “não aguenta mais o argumento dos tuiuiús”.
A construção da barragem vai aumentar o nível do Rio Piracicaba para ampliar a navegação da hidrovia Tietê-Paraná em 45 quilômetros até o distrito de Ártemis. A previsão do governo estadual é que os licenciamentos ambientais para a obra sejam obtidos no primeiro trimestre de 2014 e ao longo do ano devem ser feitas as desapropriações e remoções. A construção deve ter início em 2015, e a barragem será concluída em 2018.
Contra a barragem – Carlos Eduardo de Magalhães é presidente da Companhia Barreiro Rico e administra a fazenda de mesmo nome que tem 4,5 mil hectares, sendo que 2,5 mil são de mata protegida e reserva ambiental. Na propriedade, que tem 17 quilômetros de margem com o Rio Piracicaba, será construída a barragem e devem ser abertas estradas para viabilizar a instalação da eclusa.
Além do lucro com as desapropriações da área de margem, o empresário estima que 9 milhões de metros quadrados da propriedade, hoje usados para o plantio de cana-de-açúcar e a criação de gado, vão se tornar ideais para a construção civil. O loteamento das áreas pode tornar a empresa bilionária.
Apesar de toda a possibilidade de lucro, Magalhães é contra a construção.
“Se realmente for instalada a barragem, minhas terras se valorizam e eu vou construir condomínios, prédios, hotéis, abrir ruas, avenidas. O lucro que poderei obter é além do que eu sonhei como salário e a empresa vai triplicar de tamanho. No entanto, vai ser péssimo para a natureza. O que vai sumir de bicho será um absurdo”, afirma.
Os 2,5 mil hectares de área protegida que estão dentro da propriedade de Magalhães tornam a fazenda da companhia a maior reserva legal particular do estado de São Paulo. A reserva é mencionada em dezenas de teses de mestrado, já recebeu centenas de pesquisadores e estudos ao longo dos anos atraídos pela vasta fauna e flora. A área é próxima ao Tanquan, o “mini-pantanal” paulista que irá literalmente por água abaixo com a construção da barragem.
O Barreiro Rico reúne jaguatiricas e onças pardas. É o único lugar no estado que reúne cinco espécies de primatas, além de dezenas de espécies de aves. “Segundo uma pesquisa da IUCN, que é uma entidade de referência mundial sobre a conservação da natureza, há 22 tipos de aves e oito espécies de mamíferos ameaçados de extinção”, relatou Magalhães.
A mata não deve ser devastada com a barragem, mas o empresário crê no desaparecimento de várias espécies em função da proximidade do homem e o crescimento da caça. “Com tantos bichos aqui, imagina o que vai acontecer com quase 2 mil homens trabalhando ao lado da mata? Será muito difícil conter a caça.”
O empresário também aponta eventuais prejuízos financeiros ao patrimônio público. “Falam que a obra custará R$ 600 milhões, mas o primeiro Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) feito em 1999 pela Universidade de São Paulo aponta um valor bem maior. Eu fiz uma correção baseada na inflação entre o período do estudo e hoje e os custos.
ultrapassam R$ 1 bilhão, sem contar o número enorme de desapropriações. Tudo isso para 40 quilômetros de hidrovia? Será que não seria melhor fazermos uma ferrovia?”, completou.
Apesar de mostrar toda a propriedade à reportagem do G1, Carlos Eduardo Magalhães recusou-se a ser fotografado. “Já estou aparecendo demais, daqui a pouco vão achar que eu sou candidato a algum cargo e eu não sou”, disse.
Favorável à construção – O outro lado da moeda é representado pelo proprietário de terras no distrito piracicabano de Ártemis, Egídio Mauro. Agrônomo e ex-vereador de Piracicaba, o entusiasta da obra é proprietário de ao menos dois quilômetros de margem de rio onde devem ficar os barcos e o futuro porto. Desde a época em que ocupava uma cadeira na Câmara, Mauro estudou a fundo a construção da barragem.
Esse bairro surgiu por causa do porto. Nós temos vocação para isso, faremos o escoamento de toneladas de mercadoria por aqui e depois pela ferrovia. Vamos tirar caminhões das estradas. O que me incomoda é que o argumento de quem é contra continua sendo os tuiuiús.”
“Eu já fui ver barragens no Mississipi e em Nova Orleans, nos Estados Unidos, sem falar na França. No Brasil, subi a hidrovia Tietê-Paraná de barco até São Simão (GO), onde a maioria da carga que virá para Piracicaba é embarcada. Vejo essa barragem e o porto como uma chance de desenvolvimento”, afirmou.
Mauro lembra ainda do porto fluvial que havia em Ártemis nos anos 50. “Esse bairro surgiu por causa do porto. Nós temos vocação para isso, faremos o escoamento de toneladas de mercadorias por aqui e depois pela ferrovia. Vamos tirar caminhões das estradas. O que me incomoda é que o argumento de quem é contra continua sendo os tuiuiús, essa questão ecológica. O Ministério Público está acompanhando, tem que cobrar as compensações ecológicas e buscar uma solução para o problema, mas temos que apoiar o desenvolvimento”, completou.
Na propriedade de Mauro, onde hoje há plantio de cana, ele diz que poderá abrigar empresas que desejarem se instalar. “Já tive contato com empresas e quero ser parceiro delas quando o porto chegar aqui. Não tenho essa propriedade por especulação, se não tiver porto eu continuo a viver bem, mas quero que ele venha pelo desenvolvimento da população.” (Fonte: G1)