Ao longo da história, cidades importantes ao redor do mundo floresceram ao longo das margens dos rios. Mas os rios também podem ser forças destrutivas. Eles rotineiramente inundam e, em raras ocasiões, podem mudar abruptamente de caminho.
Esses eventos de “salto de canal”, que são chamados de avulsões, causaram algumas das inundações mais mortais da história da humanidade. Avulsões no Rio Amarelo da China mataram mais de 6 milhões de pessoas no final do século 19 e início do século 20. Eventos semelhantes foram associados ao declínio da civilização mesopotâmica ao longo dos rios Tigre e Eufrates no que hoje é o Iraque, Kuwait, Turquia e Síria.
Em um estudo recém-publicado, trabalhei com colegas para mapear a distribuição global de avulsões em leques e deltas de rios. Usamos imagens de satélite de mais de 100 rios de 1973 até o presente, fornecendo meio século de vistas panorâmicas da evolução global dos rios.
Descobrimos 113 eventos de avulsão de rios em climas temperados, tropicais e secos. Destes eventos, 33 foram em leques aluviais. Essas formas de terra se desenvolvem quando os rios fluem das montanhas ou desfiladeiros para uma planície aberta ou para o oceano e se espalham, depositando sujeira e cascalho em uma área em forma de triângulo.
Os outros 80 eventos ocorreram em deltas de rios – regiões férteis e baixas, onde rios mais lentos se ramificam em muitos canais que desembocam em lagos ou no oceano, criando redes de pântanos. Usamos esse novo conjunto de dados para responder a uma pergunta simples: o que determina onde as avulsões acontecem?
A água procura o caminho mais baixo
As avulsões ocorrem devido à deposição de sedimentos. Com o tempo, os rios depositam sedimentos no local da avulsão, sufocando o rio com sedimentos. A água sempre flui para baixo, então, à medida que seu curso atual fica cada vez mais bloqueado, ela eventualmente `pula´ para um novo local.
Assim como os terremotos, as avulsões de rios acontecem periodicamente nos mesmos lugares. Eles dispersam sedimentos e água pelas planícies de inundação dos rios, produzindo o formato triangular característico dessas formações.
Um exemplo recente ocorreu em 2008, quando o rio Kosi, na Índia, mudou seu curso em mais de 100 quilômetros em questão de dias, deslocando mais de 3 milhões de pessoas.
Nos EUA, o rio Mississippi mudou de curso muitas vezes nos últimos 7.000 anos. Hoje, uma estrutura de controle de várias barragens no centro da Louisiana impede que ele salte de suas margens e se junte ao rio Atchafalaya, mas os cientistas alertaram que uma mega-inundação pode superar essas barreiras, causando danos econômicos generalizados no sul da Louisiana.
Um rio não pode mudar de curso mais de uma vez ao longo de muitas décadas, ou mesmo séculos. A compreensão dos cientistas de onde esses eventos ocorrem é superficial e se baseia em grande parte em um punhado de observações detalhadas em grandes deltas, além de modelos de laboratório e computador.
Três tipos de avulsões
Nosso banco de dados global revelou três tipos distintos de avulsões. Primeiro, as 33 avulsões em leques aluviais ocorreram quando os rios saíam dos cânions. Uma vez que os rios deixaram de fluir por vales confinados, eles foram capazes de transbordar para um lado ou outro em direção ao solo mais baixo.
As 80 avulsões ocorridas nos deltas foram influenciados por forças em seus remansos. O remanso de um rio é a zona onde a velocidade da corrente é afetada pela presença do oceano ou lago no final do rio. Nesta zona, a corrente do rio diminui ou acelera em resposta às mudanças nas condições de inundação. Os cientistas podem estimar o comprimento do remanso a partir do tamanho e da inclinação do rio.
Por exemplo, o rio Mississippi tem um comprimento de remanso de quase 480 quilômetros, o que significa que a velocidade de seu fluxo é afetada pelo Golfo do México até um ponto ao norte de Baton Rouge, Louisiana. Rios mais íngremes podem ter uma escala de comprimento de remanso tão curta quanto 1 quilômetro.
Quando um rio está fluindo normalmente, ele desacelera em seu trecho de remanso e despeja sedimentos no leito do rio. No entanto, quando ocorrem inundações, o maior volume de água em movimento mais rápido causa erosão no leito do rio.
Este efeito inicia-se na foz do rio e desloca-se a montante, na direção oposta ao fluxo da água, apagando parte da sedimentação que se formou antes da cheia. Em última análise, essa interação entre sedimentação e erosão faz com que o rio se engasgue com sedimentos em um local que coincide aproximadamente com o comprimento do remanso.
Nosso banco de dados mostrou que 50 dos 80 eventos de avulsão que ocorreram em deltas foram aproximadamente no comprimento do remanso. Por exemplo, o rio Catatumbo, na América do Sul, mudou de curso em 1982, cerca de 10,5 quilômetros para o interior do ponto em que deságua no Lago Maracaibo, na Venezuela – perto de seu comprimento de remanso, que é de 13,7 quilômetros.
Alguns rios podem mudar de curso muito a montante
No entanto, também descobrimos uma nova classe de avulsões em deltas que não refletiam o confinamento do vale ou o comprimento do remanso. Esses rios mudaram de curso muito a montante do ponto em que foram afetados pelos lagos ou oceanos em sua foz.
Esses deltas estavam em ilhas tropicais íngremes como Madagascar e Papua Nova Guiné ou em ambientes desérticos como a Eritreia. Nesses locais, os rios carregam quantidades excepcionalmente grandes de sedimentos durante as inundações.
Quando os rios inundam, eles erodem seus leitos começando na foz e indo para trás rio acima, semelhante a grandes rios como o Mississippi. No entanto, a combinação de longas durações típicas de cheias e cargas de sedimentos excepcionalmente altas durante as cheias permite que a erosão progrida muito a montante. Como resultado, esses rios podem mudar de curso bem acima da zona de remanso onde ocorrem avulsões em grandes rios costeiros.
Mais água, mais sedimentos
Nossa descrição desses três tipos de avulsão fornece a primeira estrutura para prever onde os rios mudarão de curso em leques e deltas em todo o mundo. Essas descobertas têm implicações cruciais, especialmente para os deltas dos rios, que abrigam cerca de 340 milhões de pessoas em todo o mundo.
A maioria dos deltas está a apenas alguns metros acima do nível do mar, e alguns são muito densamente povoados, como os deltas do Mekong e Ganges-Brahmaputra. Nossos resultados mostram que sítios de avulsão em deltas podem se deslocar de seus locais históricos para novas áreas. O rápido aumento do nível do mar pode mover os locais de avulsão para o interior dos deltas, expondo novas comunidades a riscos catastróficos de inundações.
Também descobrimos que os rios do nosso segundo grupo – aqueles onde ocorrem avulsões na zona de remanso – podem mudar para o terceiro grupo, onde as avulsões ocorrem significativamente mais a montante. Descobrimos que isso pode acontecer se a duração típica das inundações em um rio ou o suprimento de sedimentos do rio mudar.
A mudança climática já está aumentando as inundações em muitas partes do mundo e levando mais sedimentos para os rios. As mudanças no uso da terra, como a conversão de florestas em terras agrícolas, também estão aumentando as cargas de sedimentos. Na minha opinião, é imperativo entender como essas mudanças podem afetar os sistemas fluviais dinâmicos e voláteis – e as pessoas que vivem ao seu redor – no futuro.
Fonte: The Conversation/ Vamsi Ganti
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://theconversation.com/rivers-can-suddenly-change-course-scientists-used-50-years-of-satellite-images-to-learn-where-and-how-it-happens-183604