Quase sete mil pessoas que viviam em São Carlos, distrito de Porto Velho localizado no Baixo Madeira, foram retiradas de suas casas pela maior enchente do Rio Madeira, em Rondônia. A maioria foi acomoda em distritos na parte mais alta da região, outras estão em abrigos em Porto Velho. Há quem decidiu ficar e resolveu fixar moradia em cima de flutuantes (espécie de casas aquáticas) para cuidar dos pertencentes que foram deixados em São Carlos, inclusive, a própria casa. Na sexta-feira (28), o nível do Rio Madeira atingiu a cota de 19,68 metros e já ultrapassa em mais de dois metros o recorde da maior cheia, há 17 anos. Mais de 4,6 mil famílias já deixaram suas casas por causa da enchente em Rondônia.
É o caso do barqueiro Zenaldi Oliveira dos Santos, 36 anos, que teve a casa invadida pela água em São Carlos. Ele já trabalhava há cerca de cinco anos na travessia dos moradores do distrito de uma margem para a outra do rio. Ao ter a casa invadida pela água, pegou a voadeira (pequena embarcação movida a motor) para continuar trabalhando na travessia de quem deseja descer o rio e para dormir, muitas vezes apenas arma uma rede e passa a noite ali mesmo. “Já dormi várias vezes aqui. Vejo essa água que continua aumentando, invadindo minha casa, quase nem acredito. A correnteza do rio está muito forte e, por isso, estou dormindo num barco de um amigo. É mais seguro para fugir de cobras”, afirma o barqueiro.
Zenaldi levou o comerciante Alzeri Bormann para verificar de perto a situação de São Carlos. Membro de um movimento que tem o objetivo de ajudar comunidades carentes, o comerciante conta que conhece bem a localidade porque costuma ir com a família e amigos pescar. “O local onde estacionava o carro para atravessar o rio, está coberto. Eu olho e vejo tudo debaixo d’água. Com a natureza não se pode brincar”, enfatiza Alzeri.
No ponto onde o afluente Rio Jamari deságua no Rio Madeira, um hotel flutuante abriga cerca de 20 pessoas. A proprietária do local, Marilene Montenegro, conta que os moradores não tinham para onde ir. A própria Defesa Civil, diz ela, pediu para quem tivesse condições, abrigar os atingidos pela cheia. “Aqui a gente tenta levar uma vida normal. Todos os dias, os homens saem, vão olhar a casa deles. Hoje, foram colher açaí. Tem dias que saem daqui para pescar mais em cima. Aqui já não podemos pescar, a água está contaminada. Todo dia aparece peixe morto”, ressalta Marilene.
Já Cleusa Reis Silva mora há 25 anos em São Carlos. Ela fez do local de trabalho, um restaurante flutuante, a sua moradia. A cozinheira conta que quando a água começou subir, todos abandonaram o trabalho para tentar salvar as coisas. “Foram três dias de muito desespero. A cada hora você via que a água estava mais alta. A gente não conseguia nem ajudar outras pessoas”, lembra.
Cleusa diz ainda que a maior cheia que ela tinha passado tinha sido em 1997, quando o nível do Rio Madeira atingiu 17,52 metros. Mas, à época, o rio não alagou todo o distrito. “Conheço gente em São Carlos que perdeu tudo. Não deu tempo de salvar nada. Fiquei sabendo de uma mulher que construiu a casa dela, pintou, colocou cerâmica e antes de entrar, o rio tomou conta. Coitada. Perdeu tudo”, lamenta.
Os moradores dizem que não tem problemas de viver no flutuante. É preciso apenas ter cuidado com bichos peçonhentos, como cobras, que fazem constantes visitas aos moradores. “A vida aqui é simples, mas é boa. A gente passa aperto, mas não tem como largar tudo. Vai pra onde? Vamos esperar o rio baixar. É aqui a nossa vida”, finaliza Marilene Montenegro. (Fonte: G1)