Alzheimer, dengue e ambiguidade aparentemente não têm nada a ver com computação, mas, na Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a ligação existe. Pesquisadores da instituição apresentaram propostas com esses temas ao Google e vão receber apoio da gigante da internet para investigá-los e buscar soluções.
A contribuição virá do programa de bolsas de pesquisa da empresa para a América Latina, com previsão de investimento de US$ 1 milhão nos próximos três anos. Nesse período, serão amparados 12 projetos, oito deles brasileiros e, desses, três desenvolvidos no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC).
Perdas reversíveis – “Por que o Google? Pelo impacto social. Se nada for feito, a gente vai caminhar para a demência”, explicou a professora Sandra Maria Aluísio sobre a inscrição no concorrido processo de seleção da empresa. Os desafios dela e do doutorando Leandro Borges dos Santos são agilizar e aperfeiçoar o diagnóstico de perdas cognitivas.
A proposta está inserida em um projeto maior, que une esforços de cientistas da Faculdade de Medicina da USP, do curso de gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do CPqD para monitorar o envelhecimento e seu impacto “no grande computador que a gente tem na cabeça”. “A ideia é envelhecer bem”, resumiu Sandra.
A professora explicou que o projeto em foco estuda a divisão entre idosos saudáveis, idosos com transtorno neurocognitivo leve e com transtorno neurocognitivo maior (principalmente idosos com Alzheimer) e que, se diagnosticado a tempo, o comprometimento cognitivo leve (CCL) pode ser revertido, evitando uma possível conversão para o Alzheimer – a taxa de transição, sem tratamento, chega a 15%. Veja no vídeo acima o que a pesquisadora diz sobre essa transição.
Para diagnosticar esses quadros, os especialistas avaliam as perdas em atenção complexa, execução de tarefas, memória e linguagem, entre outros aspectos. São realizados exames e uma bateria com mais de 15 testes, entre eles o “conta-reconta”, foco da proposta apresentada ao Google. Orientado por Sandra, Leandro vai identificar a quantidade de elementos recordados por pacientes em um teste de contação de histórias e comparar com a narrativa original. Só que não de forma manual e custosa, como ocorre hoje.
Os pesquisadores entendem que automatizar o processo é fundamental por conta do aumento de idosos, e é aí que entra a computação. O número de pessoas acima de 60 anos subiu de 7.216.017 em 1980 para 20.590.599 em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o crescimento deve continuar, desafiando a estrutura hospitalar e o atendimento oferecidos atualmente.
“A intenção é automatizar os diagnósticos e ajudar os médicos, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos. Os computadores são mais rápidos e sem subjetividade porque não têm o cansaço humano, o viés”, disse Sandra. “Antevemos um gargalo. É hora de as áreas se unirem e investirem em um problema que a gente vai ter”, defendeu.
Os objetivos finais são equipar hospitais para o diagnóstico automatizado do CCL; adaptar os testes para a realidade brasileira, inclusive considerando a taxa de analfabetismo entre idosos; divulgar a possibilidade de reversão do CCL com exercícios, oficinas e jogos; e gerar séries históricas para o acompanhamento da população idosa no país. “Meu legado vai ser esse”, disse Sandra, sem esconder a alegria.
Ela também não negou o orgulho de Leandro, que planeja usar a bolsa para, entre outras atividades, cursar parte do doutorado em uma instituição de ensino do exterior. Confira abaixo o que eles dizem sobre o financiamento.
Dengue – Outro projeto que vai receber o auxílio mensal de quase US$ 2 mil – US$ 1,2 mil para o orientando e US$ 750 para o orientador – é o “Controlando mosquitos transmissores da dengue usando sensores e armadilhas inteligentes”, apresentado pelo professor Gustavo Batista.
Pesquisador de sistemas computacionais para reconhecimento de insetos, Batista foi contemplado anos atrás com um financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates para estudar a malária e, agora, vê o orientando André Maletzke seguir seus passos e receber apoio internacional para investigar a dengue.
A proposta vai unir armadilhas a um sensor que será adaptado para reconhecer sinais em ambientes abertos – hoje, o dispositivo criado por Batista tem acurácia de 96,1% em laboratório. A intenção, ao fim da pesquisa, é viabilizar um aparelho que possa ser adquirido pela população para o monitoramento de mosquitos. Veja a explicação no vídeo acima.
A ideia parte do princípio de que é preciso integrar os moradores às medidas de combate à dengue, uma vez que o Aedes aegypti se adaptou às condições urbanas e que as ações unilaterais vêm perdendo a luta, principalmente no controle dos ovos. “Se você não envolve a população, provavelmente o problema não tem solução”, disse Batista.
Ele contou que, quando o dispositivo estiver pronto, poderá enviar as informações para o celular do morador, disponibilizando dados para a análise de tendências, e fornecer orientações personalizadas, de acordo com a quantidade de mosquitos presentes no ambiente.
Mas o que garante que o sistema não vai confundir o Aedes com outros insetos? O som.
Os animais serão atraídos para as caixas com substâncias químicas e, uma vez lá dentro, passarão por uma espécie de escaneamento por feixes de luz que, transformados em ondas sonoras, vão indicar a frequência de batimento das asas do mosquito. Com uso de métodos de aprendizagem de máquinas, o sensor vai traduzir os dados, apontar a espécie e fornecer as informações para o morador. É o tão incômodo zumbido sendo usado a nosso favor.
Qual manga? – A terceira proposta ligada ao ICMC e selecionada pelo Google também trabalha com imagem e som, mas ao contrário. Em “Resolvendo a ambiguidade em textos por meio da análise dinâmica e topológica de redes complexas”, o professor Diego Amancio e o doutorando Edilson Corrêa Júnior traduzem palavras em imagens para mostrar as ligações indiretas entre cada conceito.
Esse trabalho é feito de forma natural e até imperceptível pelos seres humanos, mas, para os computadores, ele é bem mais difícil. Isso porque, como explicou Amancio, as máquinas não têm o conhecimento de mundo que ajudam a definir o significado correto de cada palavra. “O ser humano sabe, ao ver o texto, se o autor está falando da manga fruta ou da manga da camisa. Ele analisa o contexto”, explicou. Confira acima a explicação completa.
Em casos como esses, os computadores têm de ser “ensinados” e a pesquisa da dupla pretende justamente complementar a forma de “aprendizagem” disponível, o que deve repercutir no aperfeiçoamento de tarefas como tradução, classificação de páginas em buscas e identificação de autoria – no vídeo ao lado, o professor comenta a importância da melhoria.
Tudo isso independentemente do idioma porque, pelo método usado, palavras e conexões são traduzidas em imagens como pontos e traços interligados. A arte abaixo mostra, por exemplo, as ligações das páginas disponíveis na Wikipedia que tratam de campos científicos. Páginas do mesmo assunto aparecem juntas, assim como os pesquisadores esperam que palavras com mesmo sentido apareçam próximas.
“Trabalhar com aprendizagem de máquina em si, ensinar o computador a criar conhecimento a partir de um modelo, tudo isso chamou minha atenção”, contou Júnior, que já definiu o que vai fazer com a bolsa. “Vou me dedicar exclusivamente à pesquisa, me manter aqui, submeter artigos, ir a congressos. Tudo isso vai ser possível”.
Outras propostas – Além das pesquisas no ICMC, foram escolhidas pelo Google as propostas brasileiras: “Uma abordagem de aprendizado ativo para integrar redes de bancos de dados” (UFAM), “Melhorando a Aprendizagem por Reforço Aprofundada por meio da Transferência de Conhecimento” (USP), “Aprendizado de Máquina sobre dados cifrados utilizando criptografia homomórfica” (Unicamp), “Além da relevância: abordando novidade, diversidade e personalização na recomendação de tags” (UFMG) e “Impulsionando estimadores ‘fora-da-sacola’ para aprender a ranquear” (UFMG). (Fonte: G1)