A lama que escoa da Barragem de Santarém, que comporta parte do material vazado da Barragem de Fundão, em Mariana, não será contida antes de fevereiro, de acordo com o engenheiro civil geotécnico da mineradora Samarco José Bernardo Vasconcelos. Segundo ele, a contenção dos rejeitos depende da construção de um dique, cuja obra está em andamento. O engenheiro participou como convidado de uma audiência pública, nesta segunda-feira (21), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte.
“Nosso cronograma prevê que, em fevereiro, nós vamos conseguir atravessar o rio e suspender o dique, de modo a começar a fazer a retenção das partículas sólidas ao longo de todo o vale”, afirmou Vasconcelos. O dique fica nas imediações de Bento Rodrigues, distrito mais atingido pelo desastre de 5 de novembro. O período chuvoso e a largura do Rio Gualaxo, que passa por Mariana, dificultariam a conclusão da obra.
“Mas enquanto a gente não consegue avançar de um lado para outro do rio, o ponto mais estreito do rio nos temos mais de 100 metros de largura, enquanto não conseguirmos avançar e subir com a estrutura já numa cota que a gente possa segurar esses sedimentos, nós ainda vamos ter fuga de material”, completou.
Na sexta-feira (18), o juiz federal Marcelo Aguiar Machado, da 12ª Vara Federal de 1º grau em Minas Gerais, determinou que a mineradora, cujas donas são a Vale a BHP Billiton, impeça a continuidade do vazamento em 10 dias, a partir da intimação. Durante a audiência, a Samarco e a Vale informaram que ainda não foram notificadas da decisão judicial.
Em nota, a Samarco informou que a lama que sai da barragem não pode ser considerada como vazamento, sendo na verdade uma movimentação de rejeitos sólidos em decorrência de chuvas.
A Samarco também informou que o dique em construção terá 10 metros de altura e capacidade para reter cerca de 2,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerários e água. A empresa também disse que começou a dragagem da barragem de Santarém, medida tomada para evitar que a chuva carregue material sólido. Esta técnica permite que a parte sólida da lama fique armazenada e uma água clarificada seja liberada. Os trabalhos estão dentro do cronograma e as estruturas remanescentes, segundo a mineradora, são monitoradas 24 horas por dia.
A barragem de Fundão se rompeu no dia 5 de novembro, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e afetando Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu e Pedras, além das cidades de Barra Longa e Rio Doce. Os rejeitos também atingiram mais de 40 cidades na Região Leste de Minas Gerais e no Espírito Santo. O desastre ambiental, considerado o maior e sem precedentes no Brasil, deixou 17 pessoas mortas e duas desaparecidas.
A reunião foi convocada pela Comissão Extraordinária das Barragens para debater sobre a situação da mina da Samarco, a regularidade do licenciamento ambiental, a fiscalização e as consequências legais, ambientais e humanas decorrentes do rompimento da Barragem de Fundão.
O promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto também esteve presente na reunião. Ele integra um grupo dentro do Ministério Público Estadual de Minas Gerais criado para apurar o desastre. Sobre a decisão judicial que dá 10 dias para a Samarco conter o vazamento da lama, ele informou que vai aguardar a empresa ser notificada para tomar as medidas cabíveis.
O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, foi convidado, mas não compareceu à audiência pública. Ele foi representado pelo diretor de Operações e Infraestrutura da Samarco, Kleber Luiz de Mendonça Terra. Da mineradora, também estiveram presentes o diretor de implementação de projetos, Maury de Souza Junior; o gerente geral de Meio Ambiente, Márcio Isaias Perdigão Mendes; o coordenador técnico socioinstitucional, Estanislau Klein; e o relações externas da Samarco, Fernandes Schenaider Cunha.
Compareceram ainda o diretor técnico de Ferrosos da Vale, Marcelo Fenelon, e o diretor da Vale Lúcio Flávio Tavale. Após a audiência, nenhum dos profissionais da Vale e da Samarco falou com a imprensa. A BHP também foi convidada, mas não enviou representantes.
A reunião contou com a participação do delegado Regional de Ouro Preto, Rodrigo Bustamante, que preside inquérito da Polícia Civil. “É precipitada qualquer conclusão de causa de ruptura neste momento”, afirmou. Ele ressaltou que os laudos em andamento são complexos e requerem uma análise muito técnica.
Bustamente disse que, até o momento, cerca de 70 pessoas foram interrogadas e não descartou a possibilidade de pedir novo prazo para conclusão do inquérito. Atualmente, a data prevista é 5 de janeiro.
Na decisão judicial, o magistrado também determinou que a mineradora ateste que executou medidas de segurança em relação a outras barragens, a de Santarém e a de Germano, que ainda correm risco de rompimento. Sobre isso, durante a audiência, um representante da Samarco informou que as duas ainda estão com baixo nível de segurança. As obras para melhorar a estabilidade devem ser concluídas em 45 dias, em Germano, e 90 dias, em Santarém.
Inquérito vai apurar participação da Vale – Durante a reunião na ALMG, o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto voltou a questionar o uso da barragem de Fundão pela Vale, que é dona da Samarco junto com a anglo-australiana BHP. Uma investigação específica sobre isso pode ser aberta no início de janeiro. A Vale depositava rejeitos na barragem rompida e, conforme documento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), declarou um montante inferior ao utilizado. A mineradora contesta o órgão federal.
“Vamos instaurar um inquérito específico para apurar a responsabilidade da Vale no caso do lançamento. Sobretudo, porque o contrato alegado, informado, particular entre a Vale e a Samarco é datado de 1989. Isso é um fato muito relevante pra gente porque a Barragem de Fundão somente foi instalada em licenciada em 2006. É inadmissível pensar que um contrato foi firmado em 89 pra disposição em 2006, 2007, 2015”, afirmou.
Segundo o promotor, uma fiscalização mais rigorosa poderia ter evitado a tragédia, em Mariana.
O juiz federal Marcelo Aguiar Machado determinou, no mesmo despacho sobre a contenção da lama, a indisponibilidade de bens da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, donas da Samarco. A decisão, assinada na noite desta sexta-feira (18), atende a grande parte dos pedidos de uma Ação Civil Pública impetrada pela União e pelos governos do Espírito Santo e Minas Gerais contra a Mineradora Samarco e suas controladoras.
Segundo a Ação Civil Pública, a Vale e a BHP foram poluidoras indiretas e devem sofrer as punições, porque a Samarco não tem patrimônio suficiente para ressarcimento integral do dano socioambiental estimado em mais de R$ 20 bilhões.
“A efetiva garantia financeira da reparação integral do dano ambiental causado depende do estabelecimento de outras garantias, sendo pertinente, tendo em vista a gigantesca extensão dos danos socioambientais e socioeconômicos causados, que se aplique, com base no artigo 461, parágrafo 5º, do CPC, a medida prevista no artigo 7º da Lei 8.429/92, de indisponibilidade de bens dos réus a fim de se assegurar o integral ressarcimento do dano”, destaca a decisão.
A Vale disse, também em nota, que esta decisão não limita as atividades de produção e comercialização da empresa e que, quando for intimada, vai recorrer da ordem judicial. (Fonte: G1)