Pesquisadores brasileiros embarcam neste fim de ano em um desafio e tanto: tentar descobrir como foi o verão há 80 milhões de anos na Antártica. Parece roteiro de filme de aventura, mas é o projeto Paleoantar, que começou em 2007, e tem agora a sua segunda etapa.
O principal objetivo da expedição é resgatar fósseis de dinossauros que viveram no continente e buscar pistas sobre como era a fauna e a flora por lá no período Cretáceo.
Atualmente, a média de temperatura registrada no verão antártico é de até 35°C negativos no interior do continente e 0°C na península, o que torna a região praticamente inabitável.
No entanto, dentre os vários mitos que cercam a Antártica, um dos mais recorrentes é imaginar que o continente sempre foi assim: branco e estéril. Isso está muito longe de ser correto, como atestam especialistas. Na verdade, durante a maior parte de sua existência, a Antártica foi verde e cheia de vida.
Durante boa parte do Cretáceo (144 a 65 milhões de anos atrás), e até há 50 milhões de anos, um clima bem ameno predominou e favoreceu o crescimento de diferentes espécimes de fauna e flora.
A camada de gelo de quase três quilômetros de espessura que recobre o continente esconde um passado muito diferente do deserto branco e gelado de hoje. A Antártica já abrigou uma densa floresta temperada de araucárias onde viviam gigantescas criaturas pré-históricas.
Fósseis de árvores e de animais vêm sendo desenterrados ali, revelando, a cada dia, uma natureza das mais exuberantes.
A Antártica era unida aos demais continentes, na chamada Gondwana, e, por isso, seu clima era temperado. A separação só se configurou há 32 milhões de anos, quando a corrente fria que se dispersava pelo Oceano Pacífico passou a circundar a Antártica, isolando-a.
Descobertas -Na primeira etapa do projeto Paleonatar, a equipe do paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, passou 37 dias acampado na Ilha James Ross, na Península Antártica, de onde retirou nada menos que uma tonelada e meia de troncos de árvores — um deles com mais de quatro metros de comprimento, que se encontra em exibição no Museu Nacional, no Rio.
O grupo de Kellner também encontrou um fragmento fóssil de um plesiossauro – répteis marinhos gigantes, de pescoço longo e que chegavam a ter 5 metros de comprimento. Embora o grupo tenha encontrado apenas um fragmento, datado de 80 milhões de anos, especialistas acreditam que o animal era muito comum na região.
Outros monstros marinhos também eram comuns nos mares antárticos. É o caso do ictiossauro, outro réptil carnívoro que tinha de 2 a 3 metros de comprimento e barbatanas dorsais como a dos peixes; e ainda o gigantesco lagarto chamado de monossauro – uma espécie de dragão de komodo tão grande que era capaz de engolir um plesiossauro inteiro.
Na terra, viviam também grandes dinossauros, muitos deles parecidos com o Tiranossauro Rex, e ainda espécies de saurópodes – os herbívoros pescoçudos. Especialistas estimam, no entanto, que, sob toda aquela neve, o continente esconda uma infinidade de outras espécies – muitas delas, inclusive, completamente desconhecidas.
“A verdade é que sabemos pouquíssimo sobre o continente”, diz Alexander Kellner. “Dai a importância desse projeto: precisamos resgatar a diversidade desse passado.”
Dificuldades – O problema é que escavar na Antártica não é tarefa das mais fáceis. A logística necessária para trabalhar em condições tão inóspitas acaba encarecendo demais as operações. Não é à toa que o grupo de Kellner levou quase nove anos para conseguir voltar. Em compensação, desta vez, ele assegurou também uma expedição para o ano que vem. O objetivo, claro, é conseguir trazer de volta o maior número de fósseis possível.
“Qualquer projeto na Antártica é caríssimo”, atesta Kellner. “Se for no continente, é dez vezes mais caro.”
O grupo de Kellner vai voltar à ilha de James Ross – mesmo lugar onde esteve no verão de 2007. A ilha fica na Península, mas é distante da ilha Rei George, onde fica a Estação Brasileira. Por isso, o grupo do paleontólogo (formado por 7 pesquisadores e 2 alpinistas) ficará acampado em James Ross, durante 45 dias. E está levando nada menos que sete toneladas de equipamentos e mantimentos.
“Como as condições climáticas são sempre complicadas, se, desses 45 dias, conseguirmos trabalhar por 30 dias, seremos muito sortudos”, diz Kellner. “Se nevar, não dá para trabalhar, temos que ficar dentro da barraca olhando para o teto.”
Na região do acampamento, nesta época do ano – o verão antártico – não há neve. Por isso, os especialistas irão caminhar em busca de afloramentos de fósseis e, então, começar a cavar.
“Esperamos encontrar animais marinhos, peixes, dinossauros”, diz Kellner. “Meu sonho seria encontrar um réptil voador, acho que eu choro se acontecer isso”, acrescenta o paleontólogo, que tem um xodó especial pelos monstrengos alados.
“Quem sabe dessa forma conseguiremos ter uma ideia de como foi o verão por lá há 80 milhões de anos”, diz Kellner, citando o nome do documentário que fizeram na primeira expedição e ao qual pretendem dar continuidade agora. (Fonte: G1)