O rompimento das barragens de Mariana, em Minas Gerais, completa dois meses nesta terça-feira (5) e a lama de rejeitos ainda provoca mudanças na paisagem e na vida dos moradores de Regência, em Linhares, onde o Rio Doce deságua.
Por onde a lama passou em Minas Gerais e no Espírito Santo deixou prejuízos para a natureza e para a população. De acordo com a última medição feita pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), nesta segunda-feira (4), a lama se estende por 66,7 km² no mar do Espírito Santo.
Os rejeitos de minério já se espalharam por 3,7 km ao Sul, em direção ao município de Aracruz e 55,4 km para o Norte, no município de Linhares e 2 km para alto mar, no sentido Leste.
Segundo o coordenador nacional do Projeto Tamar, Joca Thome, a lama está concentrada na região mais preservada e frágil de toda a bacia do hidrográfica do Rio Doce. “É uma área de estuário, com muitos recursos naturais, pesqueiros. Aqui, por exemplo, é o berço do robalo”, disse.
Joca explicou também que os sedimentos da barragem ainda não terminaram de descer e não há previsão de quando a água do Rio Doce voltará ao normal. “Até agora foi dito um elevado nível de metais, de ferro, de alumínio, de vanádio, mas ninguém ainda relatou presença constante de metais pesados”, pontuou.
Animais marinhos – Sobre os impactos da lama na vida marinha, Joca disse que o número de mortes registrada é normal, como acontece em todos os anos.”A gente espera que os bichos tenham tido capacidade de detectar essa mancha diferente e migrar para outras áreas. O pessoal do Pontal do Ipiranga (Norte de Linhares), por exemplo, disse que nunca pegou tanto robalo lá, teoricamente esses peixes saíram daqui e procuraram outros estuários”, afirmou.
As tartarugas, segundo Joca, não mudaram seus hábitos por conta da lama. “Elas continuam saindo nos mesmos locais que normalmente saíam. Golfinho a gente tem visto no meio da pluma. O que tem que ser feito agora e é o que estamos fazendo é uma análise sanguínea desses bichos para ver se teve alguma mudança no padrão sanguíneo desses bichos”.
A preocupação, no entanto, é com os animais que vivem no fundo do rio e do mar.”A gente não sabe o que aconteceu com a microfauna, com o fitoplâncton, que vive no fundo, para onde essa lama está se precipitando, os animais filtradores que ficam filtrando essas algas. Pode ser que a gente ainda não esteja vendo esse impacto ainda, com a mortandade do começo da cadeia biológica, a base da cadeia alimentar”, completou.
Praia de Regência – Para evitar incômodos e contaminação, a praia continua interditada. De acordo com o especialista, isso acontece porque a grande concentração de ferro, alumínio e manganês pode provocar alguma irritação em pessoas alérgicas a esses sedimentos. O local, que antes era repleto de turistas, surfistas e pescadores, está vazio.
Pescadores – Elizeu Oliveira é pescador em Regência. Ele e outros 45 pescadores foram contratados por uma empresa terceirizada pela Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP BIlliton, para trabalhar no monitoramento da região, na coleta de água e sedimentos, e na instalação de barreiras.
Segundo Elizeu, a empresa não tem recebido da Samarco e por isso não conseguiu mais realizar o pagamento aos pescadores. Nesta terça-feira, eles pararam as atividades, em greve, até a realização do pagamento. “O combinado era o pagamento semanal. A gente recebia R$150 por dia e R$300 pelo aluguel de cada barco. Agora, estamos 15 dias sem receber”, disse.
Elizeu, que também é vice-presidente da Associação de Pescadores de Regência, contou que esta época de verão é a mais lucrativa para os pescadores. “Antes eu conseguia fazer R$8 mil por semana, eu chegava a pagar R$3 mil para um pescador que trabalhava pra mim. Agora, muita gente vai ter que se virar com o salário mínimo dado pela Samarco e esses R$300. Os peixes no verão vinham em maior quantidade e qualidade”, completou.
Ao todo, 4 embarcações de médio porte e 12 do tipo bote foram alugados pelos 46 pescadores. A principal atividade realizada pelo grupo foi a colocação das barreiras de proteção na área de mangue, determinada pelo Ministério Público.
Moradores – Os moradores de Regência também sofreram com as mudanças ocasionadas pela chegada da lama. “Logo que a barreira se rompeu, em Mariana, o comércio e os pescadores já tiveram prejuízo. As pousadas começaram a ter cancelamentos. O impacto econômico está visível”, disse o presidente da Associação de Moradores de Regência, Carlos Sangália.
Mesmo após dois meses da tragédia, Sangália afirma que ainda não dá para medir os impactos a longo prazo. “Visivelmente o impacto é pouco. Poucos peixes morreram e houve pouca mortandade de outros animais. Mas essa lama ainda está no rio, no mar. E é isso que nos preocupa”, pontuou. (Fonte: G1)