Com cuidados ‘extremos’, depósito em Abadia de Goiás guarda 6 mil toneladas de rejeitos do césio-137

Isolados, vigiados e enterrados em duas enormes caixas de concreto estão rejeitos e lembranças que aterrorizaram moradores de Goiânia há 30 anos. São mais de 6 mil toneladas de lixo contaminado com o césio-137, como roupas, móveis e até casas. Todo o material está em um imenso depósito, em Abadia de Goiás, a 20 km da capital. O acidente, considerado o maior da história no âmbito radiológico, provocou medo e pânico, mesmo em quem teve pouco contato com a cápsula recheada de pó brilhante.

De 1987 para cá, esse tenso panorama foi sendo superado aos poucos. Porém, é possível notar um clima de incerteza sobre os possíveis prejuízos à saúde que as partículas ainda possam causar. Os responsáveis pelo local rebatem a ideia e dizem que o espaço é seguro e os cuidados são até “exagerados”. Além disso, especialistas ouvidos pelo G1 são taxativos em afirmar que não há mais qualquer tipo de risco.

O espaço onde estão os rejeitos fica em uma área de 32 alqueires, dentro do Parque Estadual Telma Otergal, às margens da BR-060. Lá, foi construído o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste (CRCN-CO), que é vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Sua função é monitorar o entulho do césio e promover pesquisas na área ambiental ligadas à radioatividade.

O acidente aconteceu no dia 13 de setembro de 1987, após dois catadores de materiais recicláveis encontrarem um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica de radiologia. Eles começaram a desmontá-lo em casa e depois o venderam a um ferro-velho, onde foi feita a descoberta. Oficialmente, cerca de 112 mil pessoas foram examinadas, das quais, 249 tiveram algum tipo de contaminação e quatro morreram. A contaminação atingiu ainda 45 locais públicos e demandou monitoramento de mais de 2 mil km de malha viária.

Rejeitos – Após o acidente, o lixo foi levado para o CRCN-CO com previsão de permanência temporária. Porém, após dez anos, o depósito tornou-se definitivo. Ao todo, são 6 mil toneladas de restos infectados. Os mais comuns e de menor intensidade – cerca de 40% do montante – estão em uma caixa menor. Os outros 60%, de maior potencial radiológico à época, foram acondicionados em um contêiner de 60 metros de comprimento por 18 metros de largura e 8 metros de altura. A espessura da parede é de 50 centímetros.

“Ali, foi colocado o que apresentava mais radioatividade, incluindo 50 veículos, nove casas totalmente demolidas e 45 ruas inteiras que foram arrancadas. Além disso, também há árvores, roupas, utensílios domésticos e animais que tiveram de ser sacrificados”, explicou o assistente em Ciência e Tecnologia do CRNC-CO, Marco Antônio Pereira da Silva.

A fonte onde foi encontrado o césio-137 também está nesse recipiente. Todo o material foi colocado dentro de caixas e tambores de aço e acondicionados dentro do contêiner. Os espaços vagos que ainda persistiram foram preenchidos por uma mistura de argila e betonita, um material aglutinante e absorvente.

A caixa, que está ao nível do solo, foi recoberta ainda por camadas de brita, areia, terra e grama. “Temos aqui o que é considerado o mais moderno em relação a depósito de material radioativo. Nunca houve uma contaminação. A caixa é praticamente inviolável”, pontua Silva.

De acordo com ele, três fatores pesaram, essencialmente, para a escolha do local como depósito definitivo dos dejetos. “Primeiro, o fato de aqui ter sido uma pedreira e por conter estrutura geológica favorável. Em segundo, pelo fato da área já ser do estado. Por fim, pelo facilidade dos rejeitos já terem sido trazidos para cá, inicialmente, de forma provisória. Seria um trabalho desnecessário transferi-los”, enumera.

Complexo – O complexo conta com cerca de 30 servidores e é resguardado 24 horas pelo Batalhão da Polícia Militar Ambiental. Além disso, uma equipe de emergência com sete pessoas se reveza para agir em qualquer tipo de ocorrência específica, seja no parque ou fora dele. Estruturalmente, o CRCN-CO é formado por quatro prédios:

Centro de Informação: é o setor onde está a recepção. Lá se encontram um pequeno museu com painéis informativos sobre o acidente, além de maquetes dos prédios e do parque, uma biblioteca e um auditório.
Laboratório de Radiologia: onde é feito o controle ambiental.
Centro e Estudos e Formação: abriga a sede administrativa.
Laboratório de Radioproteção: local onde são realizadas as análises químicas. A equipe de emergência também está nesse setor.

O CRCN-CO realiza visitas guiadas, principalmente de escolas: são cerca de 5 mil alunos por ano. O passeio inclui uma palestra e ida até a área próxima de onde está enterrado o material contaminado.

Contrapartidas – Em troca da concessão de 50 anos do governo do estado para funcionar no local, o CRCN-CO realiza procedimentos diversos como forma de contrapartida. Entre eles, estão pesquisas na área de saúde ligadas às questões nucleares e radiológicas. Também há programas de formação de estágio, bolsistas e projetos de pesquisas.

Além disso, existe um programa de monitoramento ambiental, que é feito trimestralmente. Ele consiste na coleta e análise de sedimentos, solo, vegetação e água superficial e subterrânea.

“Existem dez pontos que são colhidos como amostras e analisados. Através de um equipamento, conseguimos detectar variações muito baixas de concentração. Para os níveis do césio-137, elas estão muito abaixo do que é aceitável”, explica o coordenador interino do CRCN-CO, Rugles César Barbosa.

Um dos principais focos de análise é o teor de radioatividade da água que é distribuída para a população. A química Regina Nogueira é responsável por monitorar esse índice. O procedimento, que é determinado por portaria do Ministério da Saúde (MS), é feito no local desde 2014. O resultado permite afirmar se a água fornecida pela Saneago pode ou não ser consumida, em se tratando de sua radioatividade.

“No laboratório, recebemos amostras de água bruta de várias cidades, fornecidas pela Saneago. Fazemos os testes e emitimos um relatório anual sobre esse estudo comprovando a potabilidade da água”, informa.

Até agora, nenhum dos testes apontou anormalidade. Se isso ocorrer, é iniciada uma investigação para apurar o que provocou o aumento de radiação. Em seguida, um parecer é apresentado à concessionária de água e ao Cnen.

Sem riscos – Com todo esse aparato, Barbosa deixa claro que os riscos de algum tipo de vazamento ou nova infecção pelo césio-137 são praticamente nulos. Segundo ele, o nível de proteção dos rejeitos é tão grande e bem formulado que beira o “exagero”.

“Um fator [de risco] é a questão da migração do césio. Mas a probabilidade disso acontecer é extremamente pequena. As técnicas usadas para criar barreiras são sofisticadas, muito elaboradas e até exageradas em alguns pontos. O risco à sociedade é mínimo, podemos dizer que zero”, destaca.

Clinicamente, a possibilidade de qualquer tipo de contágio também é praticamente nula. Essa é a opinião do cirurgião oncologista José Carlos de Oliveira, que tem mais de 30 anos de experiência no tratamento de câncer. Ele diz que não há qualquer resquícios de césio do acidente e crava: “Goiânia está livre do Césio”.

Especialista em tratamentos de cabeça e pescoço, o médico é um estudioso do tema. Ele relata que com a deflagração do acidente, cerca de 112 mil pessoas foram examinadas, das quais, 249 tiveram algum tipo de contaminação e quatro morreram.

“O mal causado à saúde depende do tipo de radiação. Se for muito baixa, ocorrem lesões na pele, que podem levar ao câncer de pele, que é o mais comum. Porém, se for muito alto, pode mutar o DNA das células, provocar infecções agudas, como pneumonias e úlceras, e fazer com que os órgãos parem de funcionar, causando a morte”, pontua.

O especialista destacou ainda que não houve relação entre o acidente radiológico e a quantidade de casos de câncer em Goiânia nos anos seguintes à ruptura da cápsula.

“De acordo com Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, que iniciou em 1988 e é medido até a data atual, vimos que as taxas de incidência de câncer não se modificaram em relação ao césio. Hoje, ele não é um fator de risco para nós”, detalha. (Fonte: G1)