Em 2016 entraram em funcionamento dez reatores nucleares em todo o mundo, além de outros dois no primeiro semestre de 2017, segundo o relatório World Nuclear Industry Status Report, publicado na sexta-feira passada (8).
Seis dessas novas usinas estão localizadas na China, que passou ao terceiro lugar entre as cinco maiores potências geradoras de energia atômica, depois dos Estados Unidos e da França. Juntas, as cinco grandes produtoras geram 70% desse tipo de energia no mundo, cabendo a metade aos EUA e França.
Uma vez que, nesse mesmo período, apenas quatro reatores foram desativados, torna-se ainda mais premente a decisão de o que fazer com os resíduos radioativos – uma questão que ainda não foi devidamente respondida.
Oposição da população alemã – Em setembro de 2017, a Alemanha começará a procura por um local definitivo para armazenar seu lixo atômico. Uma comissão especial está encarregada de rastrear o país em busca de um sítio geológico apropriado à construção de um depósito profundo. Nele ficará enterrado, de uma vez por todas, o legado de décadas de produção de energia nuclear.
O governo alemão espera encontrar esse local até o ano de 2031. No entanto, críticos estão céticos de que o prazo seja viável. Há questões técnicas complexas, por exemplo se argila, granito ou sal oferecem a melhor proteção contra vazamento ou contaminação. O sítio deve fornecer segurança por 1 milhão de anos, portanto os cientistas querem estar certos de que ele resistirá a ocorrências como eventuais eras glaciais.
O maior desafio, contudo, será persuadir as comunidades a aceitar um depósito de lixo atômico “no seu quintal”. No fim dos anos 1970, por exemplo, a Alemanha Ocidental decidiu testar uma mina de sal em Gorleben, na Baixa Saxônia, como possível depósito definitivo: seguiu-se uma batalha de décadas, com os moradores locais protestando veementemente contra o projeto.
Os opositores argumentavam que a área pouco populosa e próxima à fronteira com a antiga Alemanha comunista, teria sido escolhida por motivos políticos, e não científicos. Levantaram-se também objeções técnicas.
O especialista americano em assuntos nucleares Robert Alvarez destaca que a Alemanha ao menos dispõe de um conjunto de critérios científicos para selecionar um sítio que seja geologicamente estável e preserve os contêineres da oxidação e consequente corrosão. Em comparação com o governo dos EUA, Berlim “tem prestado mais atenção aos geólogos e aos especialistas em segurança nuclear”.
Segurança questionável nos EUA – Nos EUA, o presidente Donald Trump tomou iniciativas para reiniciar as obras num depósito na Montanha Yucca, antigo local de testes de armas nucleares no remoto deserto de Nevada. Segundo Alvarez, a escolha do sítio, ocorrida antes da eleição de 1988, foi resultado de uma jogada política do Congresso, que descartou um estudo sobre possíveis locações por todo o país.
“As pessoas ficaram loucas, e isso assustou os políticos que concorriam na eleição. Então, em 1987, quando o processo estava se desenrolando, o Congresso simplesmente mudou a lei e disse: ‘Vamos colocar o depósito em Yucca, vocês todos estão fora de perigo’.”
O pesquisador sublinha que o local já estava contaminado pelos testes nucleares, e que na época Nevada só dispunha de quatro votos no colégio eleitoral que escolhe o presidente. No entanto as condições geológicas na montanha estão longe de ser ideais, exigindo ventilação em grande escala por pelo menos cem anos a fim de manter baixa a temperatura dos resíduos.
“Há um monte de baboseira sobre Yucca ser o melhor local”, afirma Alvarez. Melhor seria um sítio granítico, como os que estão sendo explorados na Finlândia e na Noruega. “Temos uma grande extensão de solo de granito em nosso país, mas fica em áreas populosas”, observa o especialista.
Obstáculos em aberto na Europa – A Finlândia ocupa as manchetes internacionais com o que se tem saudado como o primeiro depósito nuclear permanente de longo prazo do mundo, a 400 metros de profundidade no leito granítico do litoral oeste.
Segundo Alvarez, os países escandinavos estão se afirmando como a vanguarda no setor. Ainda assim, não há garantias de que os depósitos de granito profundos continuarão seguros daqui a centenas de anos, como pretendem os finlandeses. “Para dizer o mínimo, essa afirmativa contém fortes elementos de especulação. Como prever como estará o mundo daqui a cem anos?”, objeta o cientista.
Outros países enfrentam dificuldades ainda maiores. “O problema na Finlândia e na Suécia é muito simples”, diz Andy Blowers, do grupo independente de especialistas Nuclear Waste Advisory Associates. “Elas têm um tipo de geologia, e em grande quantidade, têm poucas usinas elétricas e, portanto, um volume definido de resíduos.”
A França, que gera três quartos de sua energia de fontes termonucleares, planejava abrir em 2030 um depósito em Bure, no sul. No entanto, assim como no caso da montanha Yucca, o local apresenta uma série de problemas técnicos e de segurança, e ativistas vêm protestando contra o projeto.
No Reino Unido, os planos para um depósito definitivo próximo ao sítio de desmantelamento e reprocessamento nuclear foram cancelados, em seguida a consultas junto ao público e a autoridades científicas.
Também devido à oposição do público, em meados deste ano o governo da Austrália abandonou seus planos de um depósito internacional, onde iria se armazenar lixo atômico de todo o mundo.
Seco ou molhado? – Assim, antes mesmo de a Finlândia começar a encher seu novo depósito, os resíduos acumulados pelo mundo em mais de seis décadas de energia nuclear estão basicamente esperando sobre o solo, em instalações temporárias. Com graus variáveis de segurança, essas instalações nunca foram pensadas para concentrar tanto lixo radioativo, nem por tanto tempo.
Também neste ponto, Alvarez considera a posição da Alemanha melhor do que a de muitas outras nações: por um lado, ela tem utilizado contêineres que são “Mercedes”, comparados aos “velhos Chevrolets” dos EUA, bem mais espessos e aptos a manter os resíduos em segurança por mais tempo.
Uma decisão importante é se o armazenamento de dejetos atômicos deve ser seco ou em piscinas. Os dejetos precisam ser mantidos resfriados em líquido, mas se este evapora, o lixo radioativo se aquece rapidamente, resultando em incêndios cujas consequências superariam Chernobyl de longe, preveem analistas.
Durante o acidente de Fukushima, em 2011, essa catástrofe esteve em cogitação por um breve período, quando uma piscina contendo um reator inativo foi seriamente danificada. No entanto um outro vazamento voltou a enchê-la. Sem esse acaso feliz, dezenas de milhões de japoneses – talvez até 27% da população total, segundo certos especialistas – teriam de ser removidos.
No entanto, apesar de todos os perigos e das recomendações dos analistas para que se opte pelo armazenamento seco em contêineres, países como França, Reino Unido, Coreia do Sul e EUA continuam depositando resíduos atômicos em piscinas.
Das piscinas para a eternidade – Especialistas apontam que a questão mais premente não é encontrar locais definitivos para o armazenamento, mas assegurar que os temporários sejam seguros e permaneçam assim até estar resolvida a charada de como eliminar os dejetos mais tóxicos que a humanidade já gerou. “Desconfio que o que temos pela frente é um período bem mais longo de depósitos de superfície”, prevê Alvarez.
O alemão Mycle Schneider, analista independente de política nuclear e principal autor do relatório anual sobre o status do setor, diz não estar nem mesmo convencido de que o armazenamento geológico devesse ser a meta final: o lixo atômico precisaria sobretudo estar acessível para o caso de se encontrar um meio mais eficaz de dispor dele.
Por enquanto, a questão é encontrar a solução menos ruim. “A coisa é bem clara: tirar o mais rápido possível o combustível usado das piscinas e colocá-lo em armazenamento seco, mesmo que, para início de conversa, isso não seja o ideal. Depois, passar ao próximo estágio, que é uma construção adequada, e depois a um depósito reforçado, como um bunker. A partir daí, pode-se começar a pensar na eternidade.” (Fonte: G1)