Surto de febre amarela silvestre ameaça população de macacos

O ronco dos bugios é tão alto que dá para ouvir de longe. “A gente via bandos de 10, 12 macacos. Após a febre amarela sumiu tudo”, conta o casal Alda e Romério Bortoline, agricultores.

As mortes começaram um ano atrás. “Eles estavam aqui no chão. Depois caíram mais dois mortos da árvore”, diz Gilcimar Tomazelli, agricultor.

A família de Gilcimar cresceu vendo os bugios e diz que a febre mudou até o jeito que eles gritavam. “Mais um gemido do que um cantar”, conta Domingos Mazocco, agricultor. “Não era de felicidade, era de tristeza mesmo”, diz Vera Mazocco, agricultora

Foi ainda mais difícil para quem estuda os animais. “Quando você entra na biologia é para conservar os animais e não para relatar a morte deles, então é complicado”, declara Joana Zorzal, bióloga.

O trabalho agora é saber quando e onde eles morreram. Os moradores indicam o ponto na mata e o GPS dá a localização exata.

“Isso é importante para impedir novos surtos. Para entender principalmente quando vier o próximo, a gente saber como agir mais rapidamente”, explica a bióloga.

Esse monitoramento é feito na região de montanhas do Espírito Santo, onde morreram cerca de 1.300 macacos.

Em Minas Gerais, pesquisadores também estudam o impacto da febre amarela nos macacos e se angustiam com o silêncio na mata.

“Nós passamos décadas com esse som, dava alegria e, de repente, eles silenciaram. É muito triste”, lamenta Sérgio Lucena, biólogo.

A Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Abdala é uma área equivalente a mil campos de futebol de mata fechada. Nela é possível ter uma referência do efeito devastador da febre amarela nos macacos. Na mata a equipe localizou um grupo de dois ou três animais, que podem ser chamados de sobreviventes, porque 90% da espécie morreu.

Observando o grupo, a equipe teve uma boa surpresa. “Um filhote nasceu recentemente. Esta boa notícia deixa a gente muito contente”, declara o biólogo.

Já foram encontrados três filhotes de bugios, o que dá uma esperança de recuperação. Todas as quatro espécies de macacos da reserva foram duranmente atingidas. Morreram em torno de 50 muriquis, 300 macacos-prego, cerac de 500 bugios e o sagui da cara-amarela praticamente desapareceu

“Antes tinham 120 saguis, uma estimativa, agora só tem dois”, comenta Carla Possamai, bióloga.

Os pesquisadores acreditam que o vírus da febre amarela ainda pode estar entre os animais. Nessa época, com as temperaturas mais altas, aparecem mais mosquitos que transmitem a doença. Por isso, pode haver um novo surto de febre amarela.

“Estamos muito atentos a qualquer sinal de um animal com aparência não saudável, ou se a gente encontrar um animal recém-morto, isso é um indício de que o vírus ainda estar circulando na região”, alerta a bióloga.

Nove anos atrás, outro surto de febre amarela também provocou a morte de muitos macacos. Foi no município gaúcho de Santa Maria. Naquela época, calcula-se que nesta mata, que pertence ao Exército, viviam 1.300 macacos . Em 2012, sobraram menos de 250.

A Mata Atlântica é naturalmente fragmentada na região, formada por pedaços de floresta que são separados por campos nativos. Mas como é uma área preservada, os macacos não encontram barreiras para migrar de uma pra outra. Mesmo assim, quase dez anos após a mortandade de animais, em alguns desses locais os pesquisadores nunca mais encontraram bugios.

Das 18 áreas de mata da região, onze não tem mais macacos . A maior delas, de mil hectares é usada para treinamento militar. Um veterinário do Exército lembra que não foi só a doença que quase acabou com os macacos.

“A população civil no entorno do campo de instrução entrou em pânico. Pessoas acabaram matando bugios. O animal não tem nada a ver com isso daí. O animal tem que existir pra ser esse termômetro. Se ele começa a morrer, você tem que pesquisar pra ver o que está acontecendo”, explica o capitão Jean Apulo Rocha, veterinário do Exército.

“Nós fizemos estimativas matemáticas e se calculou 100 anos pra que se chegue a metade da população de bugios que tinha antes do surto”, alerta Vanessa Barbisan Fortes, bióloga da UFSM.

“Tem pouco bugio e pouca bugia, e é um por ano que ele produzem! Vai custar”, diz Elci Rossi, agricultor.

Não existe nenhuma estimativa sobre o número de macacos abatidos no surto, que ocorreu este ano, em Minas e no Espírito Santo.

Os especialistas lembram que esses animais não transmite a febre amarela para o homem.
E que a presença deles é fundamental, pois na prática eles funcionam como sentinelas da mata, avisando onde um novo surto pode começar.

Fonte: Jornal Hoje G1