Quem foi E.O. Wilson, o “herdeiro natural de Darwin”

Biólogo e especialista em formigas, Wilson morreu no fim de 2021, aos 92 anos. Dono de algumas das mais revolucionárias ideias da biologia das últimas décadas, ele defendeu a biodiversidade e sua conservação.

E.O. Wilson examina um crescimento anormal em uma folha em Walden Pond, Massachusetts, EUA. Pioneiro biólogo e conservacionista, Wilson defendeu um mundo no qual os humanos compartilhem o planeta com outras espécies, em vez de levá-las à extinção.
FOTO DE FRANS LANTING, NAT GEO IMAGE COLLECTION

Edward O. Wilson, biólogo norte-americano e maior autoridade em formigas cujo estudo dos pequenos insetos levou a algumas das maiores e mais instigantes ideias científicas do século 20 — sobre a existência de uma base biológica para o comportamento humano e a ideia de que a preservação da biodiversidade é a chave para a sobrevivência do planeta — morreu em 26 de dezembro de 2021, aos 92 anos, em Burlington, Massachusetts, nos Estados Unidos, de acordo com uma declaração da Fundação E.O. Wilson para a Biodiversidade.

Considerado “um dos mais importantes naturalistas na ciência e na literatura” pela National Geographic Society, que concedeu ao biólogo a medalha Hubbard, em 2013, e “herdeiro natural de Darwin” por outros, Wilson foi um cavalheiro sulista de fala mansa que fez seu trabalho seminal na Universidade de Harvard, mas nunca esqueceu suas raízes na Costa do Golfo, no Alabama. Grande parte dos fundamentos científicos do movimento ambientalista moderno são provenientes do biólogo.

“Ele desempenhou o papel mais importante na elevação da biodiversidade na consciência pública”, disse Thomas Lovejoy, falecido ecólogo que cunhou o termo “diversidade biológica”. “A escrita elegante de Ed contribuiu como nenhum de nós biólogos.”

Wilson contribui de diversas maneiras.

Uma das mais importantes foi a publicação do livro The Theory of Island Biogeography (“A Teoria da Biogeografia da Ilha”, em tradução livre) em 1967, em conjunto com Robert MacArthur, biólogo da Universidade de Princeton. O livro associava o tamanho de uma ilha ao número de espécies que ela poderia abrigar. Embora inicialmente se concentrasse em terras cercadas por água, o conceito tornou-se um fundamento da biologia da conservação quando aplicado a “ilhas habitadas” ou reservas continentais, ameaçadas pelo desenvolvimento agrícola e urbano.

Posteriormente, Wilson e o matemático William Bossert, seu colega de Harvard, colaboraram para solucionar os segredos da comunicação das formigas ao descreverem a disseminação de sinais químicos conhecidos como feromônios. Micro-organismos, plantas e a maioria dos animais usam esses sinais olfativos para transmitir informações.

Alguns trabalhos de Wilson provocaram agitações políticas. Na década de 1970, seu estudo sobre insetos sociais, como formigas, abelhas, vespas e cupins culminou na criação do campo da sociobiologia, que quebrou o então popular dogma de que os bebês nascem como uma tábula rasa, ou com suas mentes como uma folha em branco a ser formada apenas pela criação e aprendizagem. Em The Insect Societies (“As Sociedades dos Insetos”, em tradução livre) e mais detalhadamente em Sociobiology: The New Synthesis, (“Sociobiologia: A Nova Síntese”, em tradução livre) Wilson insistiu que os traços genéticos influenciam a inteligência e desempenham um papel no comportamento humano e animal, incluindo em comportamentos agressivos.

Cientistas de esquerda, como o colega de Wilson em Harvard Stephen Jay Gould, atacaram suas ideias, levantando acusações de racismo e sexismo. Opositores já chegaram até mesmo a jogar água na cabeça de Wilson em uma conferência.

“Isso foi radical demais para as pessoas que queriam acreditar [em teorias que diziam o contrário]”, disse Peter Raven, botânico e líder conservacionista, Explorador da National Geographic e medalhista Hubbard em 2018. Como diretor de longa data do Jardim Botânico do Missouri em St. Louis, Raven trabalhou com Wilson por décadas. “Ed foi atacado de maneira muito cruel, mas ele estava certo.”

Wilson mais tarde admitiria sua ingenuidade política e insistiria que foi mal compreendido. Em todo caso, ele viveu o suficiente para ver suas ideias sendo defendidas e aceitas pela comunidade científica.

Edward Osborne (“E.O.”) Wilson nasceu em 10 de junho de 1929, em Birmingham, Alabama, nos Estados Unidos, filho de Edward e Inez Wilson. Eles se divorciaram quando Edward ainda era criança, e Ed, como era conhecido pelos amigos, cresceu explorando as florestas e pântanos ao redor de Mobile.

Wilson examina espécimes de insetos capturados durante uma “bioblitz” — uma pesquisa biológica intensa e de curto prazo — de duas horas conduzida no Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, em 2011.
FOTO DE JOEL SARTORE, NAT GEO IMAGE COLLECTION

O fascínio de Wilson por formigas começou na infância, após um ferimento que sofreu enquanto pescava que o deixou cego de um olho, mas com visão 20/10 no outro. Sua visão mais acurada de perto permitiu que ele se concentrasse “em pequenas coisas”, disse ele. “Eu conseguia enxergar borboletas e formigas melhor do que outras crianças, e automaticamente me interessei por esses insetos.”

Ele dizia que foi inspirado por um artigo na edição de agosto de 1934 da revista National Geographic intitulado “Stalking Ants, Savage and Civilized“ (“Perseguindo Formigas Selvagens e Civilizadas” em tradução livre), escrito pelo diretor do National Zoo em Washington, D.C.

“Ao ler esse artigo, Wilson percebeu que poderia fazer sua própria exploração”, disse John Francis, ex-vice-presidente de pesquisa, conservação e exploração da National Geographic Society. “Foi o início de uma longa e ilustre carreira.”

Wilson obteve o bacharelado e o mestrado em biologia na Universidade do Alabama. Em 1955, ele concluiu seu doutorado em Harvard e começou a fazer pesquisas de campo nos trópicos de Cuba, México e, posteriormente, no Pacífico Sul. Catalogou centenas de novas espécies de formigas. 

Ele finalmente retornou para Harvard, onde atuou como curador de insetos no Museu de Zoologia Comparativa pelo resto de sua vida.

Autor prolífico que escrevia diariamente, Wilson publicou mais de 20 livros. Em 1978, ansioso para responder às críticas sobre sociobiologia, ele expandiu o papel da biologia na cultura humana no livro Da Natureza Humana, o qual difundiu o campo da psicologia evolutiva e concedeu a Wilson o primeiro de dois prêmios Pulitzer. Seu tratado monumental, The Ants (“As Formigas”, em tradução livre), com o coautor Bert Hölldobler, tornou-se o único livro escrito para cientistas a ganhar um Pulitzer.

A escrita de Wilson raramente se restringia à ciência empírica.

No livro Biophilia, (“Biofilia”, em tradução livre) ele cunhou uma nova palavra para descrever a relação da humanidade com a natureza. Escreveu sobre sua amada Mobile e, inspirado na literatura clássica do sul, escreveu o best-seller Anthill: A Novel, (“Formigueiro: Um Romance”, em tradução livre).

Mas sua paixão era administrar projetos relacionados à natureza. Assim surgiu a Fundação E.O. Wilson para a Biodiversidade e suas contribuições para o diálogo entre ciência e fé.

No livro A Criação, o ex evangélico batista do sul pediu “uma aliança entre ciência e religião para salvar ‘a criação’ — biodiversidade — que está desaparecendo rapidamente”, como disse à National Geographic em 2006. “A preservação da biodiversidade é fundamental para a existência estável da Terra e de nossa espécie.”

Segundo Francis, ex-vice-presidente da National Geographic Society, “ninguém consegue escrever, nessa difícil fronteira entre religião e ciência, de uma maneira tão cuidadosa, maravilhosa e rica”.

Vencedor de mais de cem prêmios, incluindo a Medalha Nacional de Ciência, Wilson nunca deixou de reexaminar suas conclusões e revisá-las, se necessário. Acabou abandonando a ideia de “seleção por parentesco” ou altruísmo entre parentes, em favor da teoria da seleção natural que favorece grupos.

Viúva de Irene, com quem se casou em 1955, Wilson deixa a filha, Catherine, e o genro, Jonathan. Ele trabalhou até o fim da vida. Entre os seus muitos projetos estavam a restauração do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, que foi devastado pela guerra civil e pelo desmatamento, e a criação de um novo parque no delta do Alabama, próximo de onde cresceu. Ele também defendeu vigorosamente o conceito de conservação da “meia-Terra”, que exige que os humanos reservem metade das terras e mares de nosso planeta para outras espécies — meta que ele insistiu que poderia e deveria ser alcançada.

Wilson examina insetos presos em uma rede que ele varreu pela grama, em exploração do Monte Gorongosa antes de uma bioblitz, em 2011. Em apenas duas horas, a bioblitz revelou a presença de 60 espécies e 13 ordens diferentes.
FOTO DE JOEL SARTORE, NAT GEO IMAGE COLLECTION

Em todas essas experiências, o experiente cientista manteve seu senso de humor. Lovejoy, relembrando uma viagem à Amazônia onde ele e Wilson procuraram pelo gênero Daceton — uma formiga grande e robusta que pode virar a cabeça em 180 graus —, disse que mesmo que Wilson tivesse “o toque de Midas para formigas e cupins”, eles não acreditavam que encontrariam a espécie procurada.

“Então avistei a formiga na camisa de Ed”, relembra o biólogo. “Como o cavalheiro que sempre foi, ele disse: ‘Isso vai para a coleção de Harvard: você sendo considerado o capturador e eu o habitat’.”

Wilson também manteve até o fim seu otimismo por um futuro melhor. Em uma entrevista de 2019 à National Geographic, Wilson, aos 90 anos, contou qual era seu maior sonho: “que de alguma maneira tenhamos como valor, um valor humano, não a destruição, mas a proteção, o estudo, a compreensão e o amor pelo meio ambiente, que é o nosso berço, às espécies que foram nossas companheiras de nascimento, os ecossistemas que são mais capazes hoje do que no passado de se reestruturarem, que nos dão benefícios quase infinitos na manutenção de nosso estilo de vida, esteticamente e também em termos de saúde”.

Wilson acrescentou: “Acredito que estamos chegando a uma nova era, na qual esse valor está sendo utilizado em prol da natureza: no estudo, preservação, compreensão e apreciação da natureza até que possamos compreender o que estamos fazendo com o planeta”.

Fonte: National Geographic Brasil