Depois de mais de um ano vivendo em um semicativeiro nas imediações do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, os pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Pró-Carnívoros e a Universidade de Franca (SP) soltaram a loba-guará. O animal foi resgatado ainda filhote depois que os pais desapareceram em meio a uma queimada em um canavial no interior de São Paulo em agosto do ano passado.
Assim, começou a história da lobinha, como chamam os pesquisadores, que ficou órfã. Eles resolveram cuidar do animal para que pudesse retornar à natureza. No período de semicativeiro, recebeu comida, treinamento para caçar e acompanhamento de saúde. E ainda, segundo os pesquisadores, a visita de muitos lobos que circulavam pelo local.
“No dia 2 de dezembro abrimos o portão do recinto de treinamento, com a certeza de que a lobinha atendeu todas as marcas esperadas para ganhar sua liberdade. Seu comportamento de caça é impecável, sua saúde é perfeita. Os quase 2.600 metros quadrados já estavam pequenos para ela. Foi um dia para ficar na história”, declarou emocionado o pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do ICMBio, Rogério Cunha de Paula.
Mesmo solta, ela ainda está sendo monitorada para se conhecer melhor sobre seus hábitos durante o período de adaptação à nova vida. Segundo Rogério, a coleira de monitoramento mostrou que, no início da noite em que foi solta, ela ficou pertinho da sua antiga casa, mas logo se distanciou. “Ela está perto do cativeiro, aos poucos ela vai ganhando o mundo, entendendo que tem a Serra da Canastra toda para ela”, afirma. Rogério conta que o sucesso do projeto é que a loba consiga estabelecer seu território, achar um parceiro e reproduzir.
Segundo Rogério, o trabalho foi conduzido com extremo rigor técnico, aproveitando dados científicos existentes para reabilitação comportamental e informações coletadas a partir de lobos monitorados na região. “A partir de tudo que foi aprendido e construído nesse ano na Serra da Canastra, será estruturado um protocolo de reabilitação de lobo-guará para subsidiar ações de manejo de diversas instituições, quando essas forem necessárias. Espera-se que este projeto de pesquisa seja um piloto para ações a partir do resgate de filhotes”, ressalta o pesquisador. Segundo ele, deve-se sempre buscar em primeiro lugar reduzir as ameaças que fazem com que os lobos, filhotes ou não, acabem nas mãos do ser humano. “E sempre avaliar se a reposição de animais reabilitados não trará mais prejuízos às populações locais. Ou seja, uma análise maior deve ser conduzida a evitar maiores danos ao indivíduos soltos e aos residentes”, finaliza.
Extinção
O lobo guará é encontrado principalmente no bioma Cerrado, e está na lista dos animais em extinção. A maior ameaça para a espécie é a perda de habitat em razão da expansão agrícola. Os pesquisadores do ICMBio desenvolvem ações, com vários parceiros, para a conservação do lobo-guará, seguindo as diretrizes do Plano Nacional (PAN) Lobo-guará. Em 2004, 10 instituições parceiras moldaram a base para o Programa de Conservação do Lobo-Guará, conduzido pelo Cenap e Instituto Pró-Carnívoros. Eles levantam informações sobre a estimativa populacional, dispersão de jovens, saúde, genética, comportamentos e dieta.
Juntos ainda executam ações de educação ambiental e implementam estratégias práticas de conservação como a construção de galinheiros para prevenir os ataques de lobos e outros carnívoros à criação doméstica. O programa é considerado um exemplo mundial de sucesso na área de conservação. Pelas ações executadas com o lobo-guará, em 2012, o pesquisador do Cenap Rogério Cunha de Paula, foi um dos 40 estudiosos do mundo selecionados ao título de “Herói da Vida Selvagem” em uma publicação norte-americana (wildlifeheroes.org).
Fonte: ICMBio