O que pode ser mais importante para uma vida do que respirar?

A pergunta é um desafio para as pessoas que não conseguem perceber ao redor os sinais claros de que as ações voltadas para o desenvolvimento-a-qualquer-custo podem custar, no fim e ao cabo, vidas humanas. Pensei nisso quando li a reportagem do jornal britânico “The Guardian”, que acabou de ser publicada em seu site, em que é reproduzida parte de um estudo publicado na revista “Science”, dando conta de que os locais dos oceanos com baixo oxigênio, ou seja, sem condições para absorver neles vidas marinhas, se multiplicaram por dez vezes desde 1950. A maioria das criaturas do mar não pode respirar nesses locais.

A causa da desoxigenação em tão larga escala é, sim, a mudança climática causada, como os cientistas já se cansaram de afirmar, pela ação do homem, pela queima abusiva de combustíveis fósseis.Além disso, as zonas costeiras que estão mortas recebem uma quantidade inacreditável de fertilizantes e esgotos, o que também contribui, segundo o estudo realizado pela equipe da cientista Denise Breitburg, para o colapso dos ecossistemas marinhos.

Foi a primeira vez que uma análise tão abrangente sobre o assunto foi publicada, segundo o editor de meio ambiente do “The Guardian”, Damian Carrington, que assina o texto da reportagem.Os estudos mostram ainda que os principais eventos de extinção na história da Terra foram associados com climas quentes e oceanos com deficiência de oxigênio, uma dobradinha fatal para vidas de seres aquáticos.

Denise Breitburg conversou com a reportagem do “The Guardian”, e mostrou uma visão bem pouco otimista, a partir dos dados que colheu, com relação ao futuro da humanidade.

“As consequências para os humanos, caso permaneçam nessa trajetória, são tão terríveis, que é difícil imaginar que iremos muito longe nesse caminho”

Mas, quer por obrigação do ofício, quer para manter um certo tom esperançoso que todos os cientistas mantém quando falam sobre mudanças climáticas, Breitburg acredita que ainda há chances de se mudar este processo.

“A interrupção das mudanças climáticas requer um esforço global, mas mesmo as ações locais podem ajudar com o declínio do oxigênio induzido por nutrientes”, disse ela à reportagem, lembrando o caso da Baía de Chesapeake, nos Estados Unidos, e do Rio Tâmisa, em Londres.

No caso do Tâmisa, o rio foi declarado biologicamente morto em 1957 por causa do alto nível de poluição de suas águas. Seu leito tinha muita lama e era impossível não perceber o cheiro fétido, de ovos podres, que ele exalava.Graças a um processo de recuperação – que chegou a ganhar um prêmio internacional, o Theiss River – e a ações governamentais, como a que impediu a indústria de despejar efluentes poluídos em suas águas, hoje o Tâmisa está bem diferente. Há vida nele. Plantas e animais agora têm ali um habitat criado especialmente pelos pesquisadores contratados para salvar o rio.

“Uma regulamentação mais rigorosa das indústrias poluentes e nosso trabalho com agricultores, empresas e empresas de água para reduzir a poluição e melhorar a qualidade da água ajudaram a tornar o Tâmisa um rio vivo mais uma vez”, disse Alastair Driver, gerente nacional de conservação da Agência de Meio Ambiente britânica ao site da BBC em 2010.

Lá houve vontade política. A população exigiu e os políticos responderam à altura. Mesmo numa época em que ainda não se tinha ideia do tamanho do estrago que os humanos começaram a fazer depois da II Guerra, houve uma consciência de que, do jeito que as coisas estavam, não seria possível continuar.

A diferença é que hoje em dia os governos de todo o mundo estão preocupados com muitas outras coisas, menos em recuperar águas de rio, conforme disse o professor  Robert Diaz,do Virginia Institute of Marine Science, ao editor do “The Guardian”.

“Atualmente, a crescente expansão das zonas costeiras mortas e o declínio do oxigênio no oceano aberto não são problemas prioritários para os governos de todo o mundo. Infelizmente, será necessária a mortalidade severa e persistente das pescarias devido ao baixo teor de oxigênio, para que eles acordem “.

Não é difícil concordar com o professor. Se pegarmos o caso da Baía de Guanabara, fica ainda mais fácil. Em 2016, quando vivemos o “sonho olímpico”, uma das promessas é que as águas da Baía seriam despoluídas e, na época, o governo fluminense (leia-se ex-governador Sergio Cabral juntamente com o ex-prefeito Eduardo Paes) contraiu um empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no valor de R$ 1,2 bilhão. Segundo ambientalistas, no entanto, as sete estações de tratamento de esgoto construídas com o dinheiro não conseguem dar conta da enorme quantidade que vem sendo despejada na Baía. Ao mesmo tempo, não se tem hoje um compromisso assumido pelas indústrias que funcionam ao redor para não jogarem mais seus dejetos ali. Ou seja: pouco ounada mudou.

Para que o assunto não seja tomado como um tema menor que merece ser despejado num gueto de intelectuóides, é muito bom ressaltar um dado que o pessoal do estudo da “Science” divulgou:os oceanos e mares alimentam mais de 500 milhões de pessoas, especialmente nas nações mais pobres, e oferecem empregos para 350 milhões de pessoas em todo o mundo.Portanto, estamos tratando, entre outras coisas, da vida econômica e do ambiente social dessa população.

“O nível de oxigênio em todas as águas oceânicas está caindo, já perdeu 2% desde 1950, o que pode reduzir o crescimento, prejudicar a reprodução e aumentar a doença nas vidas marinhas. Uma ironia é que as águas mais quentes não só mantêm menos oxigênio, mas também significam que os organismos marinhos devem respirar mais rápido, usando oxigênio com mais rapidez”, diz o texto do estudo.

Existem ainda mecanismos perigosos, como os micróbios que se proliferam em níveis de oxigênio muito baixos e produzem muito óxido nitroso, um gás com efeito estufa que é 300 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. Isso quer dizer, em palavras mais claras, que o perigo ainda inclui problemas sérios de saúde causados por essa poluição.

O grupo que formatou o estudofoi criado em 2016 pela Comissão Oceanográfica Internacional da Unesco. A ideia é que, como a falta de oxigênio nos mares e oceanos está sendo produzida globalmente, é preciso que o fenômeno seja encarado também de maneira global.

Um detalhe que chama atenção no estudo é o link encontrado entre a pecuária e o fenômeno de desoxigenação dos mares e oceanos. Aqui também o consumo excessivo de carne causa problemas, como se vê nesta reportagemmostrando que a quantidade excessiva de estrume e fertilizantes derramada em zonas costeiras está matando a vida marinha.

Sigamos, pois, tentando obter mais informações em prol da nossa sobrevivência no planeta.

Fonte: G1 Amelia Gonzalez