Em termos globais, as viagens de avião são menos populares do que se acredita: em 2017 apenas 3% da população mundial andou de avião, e não mais do que 18% já voou alguma vez na vida. Mas o quadro está mudando.
A Organização Internacional de Aviação Civil (Icao, na sigla em inglês), com sede no Canadá, estima em 3,7 bilhões o total de viajantes aéreos em 2016, e a cada ano, desde 2009, se estabelece um novo recorde.
Até 2035, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) prevê um aumento para 7,2 bilhões de viajantes em aeronaves. Como os próprios aviões, os números só continuam subindo. E, diante do estrago que voar causa ao planeta, essas projeções dão o que pensar.
Muito além do dióxido de carbono
Muitos cálculos colocam a contribuição da aviação para as emissões globais de dióxido de carbono em apenas 2%, um número que a própria indústria costuma aceitar. Para Stefan Gössling, contudo, professor nas universidades suecas de Lund e Linnaeus e coeditor do livro Climate change and aviation: Issues, challenges and solutions (“Mudanças climáticas e aviação: Questões, desafios e soluções”, em tradução livre), “essa é apenas metade da verdade”.
Outras emissões da aviação têm efeitos adicionais sobre o aquecimento global: óxido de nitrogênio, vapor dꞌágua, material particulado, trilhas de condensação e alterações das nuvens do tipo cirro também contribuem para esquentar o clima.
“A contribuição do setor para o aquecimento global é pelo menos duas vezes maior que o efeito isolado do CO2”, explicou Gössling à DW. Ele estima a impacto total dos voos de avião sobre a mudança climática em “no mínimo” 5%.
Contudo, mesmo aceitando-se uma participação de 2% nas emissões globais, causada por apenas 3% da população que voou em 2017, um grupo relativamente pequeno seria responsável por uma parcela desproporcionalmente grande das emissões de gases poluentes.
Há alguns anos, o grupo ambiental Germanwatch calculou que uma única pessoa voando entre a Alemanha e o Caribe, ida e volta, produz cerca de quatro toneladas métricas de CO2 – o mesmo volume de emissões danosas que 80 residentes médios da Tanzânia num ano inteiro.
“Num nível individual, não existe outra atividade humana que emita tanto em tão pouco tempo quanto a aviação, pois ela consome grande quantidade de energia”, explica Gössling.
A calculadora de pegada ambiental da rede WWF é bastante elucidativa: até mesmo um ambientalista convicto, vegano, que aquece a casa com energia solar e vai para o trabalho de bicicleta, deixa de ser especialmente ecológico se continua a ocasionalmente viajar de avião. Pois bastam dois voos curtos e um longo por ano para transformar um ambientalista em vilão do clima.
Novas tecnologias não resolvem tudo
À medida que cresce a consciência de que é preciso reduzir a pegada ecológica tanto individual quanto coletiva, para evitar que a catástrofe climática, também aumenta a pressão sobre vários setores da economia para encontrar soluções ambientalmente limpas.
A aviação fez suas próprias promessas: em outubro de 2016, num acordo da ONU, 191 países se comprometeram a reduzir as emissões de CO2 da aviação global, em duas etapas: no ano 2035, até os níveis de 2020; e em 2050 até os de 2005.
Segundo Goater a aviação persegue quatro abordagens para alcançar essas metas: compensação de emissões de CO2 no curto prazo; desenvolvimento continuado de aviões mais eficientes; maiores investimentos em combustíveis sustentáveis, como os biocombustíveis; e melhor eficiência de rotas.
“Basicamente, o tráfego aéreo é muito ineficiente”, explica o porta-voz da Iata, “cria queima desnecessária de combustíveis, e um uso mais eficaz reduziria as emissões em 10%.” Ele também destaca que um número – embora pequeno – de voos comerciais atualmente é realizado com combustíveis sustentáveis todos os dias, apesar de o primeiro voo do tipo ter sido realizado há menos de uma década.
“Foi algo que aconteceu muito mais rápido do que se esperava”, resume Goater. Para ele, a chave agora é o setor priorizar os investimentos na área e os governos se comprometerem, assim como fizeram com a mobilidade elétrica, no setor automotivo.
Entretanto o pesquisador Gössling e muitos de seus colegas ainda não estão convencidos. “Acho que, essencialmente, precisamos de altas de preços. Entrevistamos líderes da indústria há alguns meses, e muitos deles concordaram secretamente – foram entrevistas anônimas – que, se não houver uma alta expressiva no preço dos combustíveis fósseis, não há como os combustíveis alternativos terem sucesso.”
Daniel Mittler, diretor político da ONG ambiental Greenpeace, concorda que os combustíveis fósseis precisam ser mais caros. “O primeiro passo é acabar com todos os subsídios aos combustíveis fósseis, incluindo os destinados à aviação, e taxar corretamente a indústria aérea.”
Para Goater, da Iata, a proposta é pouco realista. “O combustível já é responsável por uma porção significativa dos custos das companhias aéreas. Acredite: se pudéssemos voar sem petróleo, voaríamos.”
Consumismo é o vilão
Então, qual é a solução? O professor Gössling, que dedicou mais de 20 anos de pesquisas ao assunto, vê apenas uma: “Precisamos realmente voar tanto quanto voamos, ou a quantidade dos nossos voos é induzida pela indústria?”. E argumenta que o setor aéreo, além de baixar artificialmente os preços das passagens, também incentiva um certo estilo de vida.
“As campanhas publicitárias de companhias aéreas projetam a imagem de que você pode se tornar parte de um grupo de jovens, passageiros aéreos urbanos frequentes, visitando uma cidade diferente no espaço de poucas semanas.”
Já para Goater, a ideia de ditar quem pode voar e quando é irreal e antiquada. “A redução de emissões deve ser equilibrada com a oportunidade de voar – acho que esse é um consenso estabelecido no mainstream há anos. Não cabe às pessoas de uma parte do mundo assumir o papel de negar essas oportunidades a gente em outros lugares.”
Para Mittler, do Greenpeace, tudo se resume a uma escolha individual, como em tantas outras questões. Ele acredita que, ainda que ganhos de eficiência sejam vitais para evitar o aquecimento global, o primeiro passo é reduzir a quantidade de voos.
“Precisamos caminhar em direção a uma forma mais coletiva e solidária de viver neste planeta”, reivindica, acrescentando que renunciar às compras de fim de semana em Nova York pode ser uma das maneiras menos dolorosas de contribuir. “Precisamos de uma prosperidade baseada em comunidade e numa real riqueza de visão coletiva, em vez de baseada no consumo ininterrupto. A aviação é um símbolo desse tipo de consumo que precisamos deixar para trás.”
Fonte: Deutsche Welle