Dados de um novo relatório do IPCC estimam aquecimento de 1,5 grau até 2040

Morador de Mayle, uma aldeia no Nordeste da Somália, país africano, Mohamed Ismail Yasin teve que viajar 600 quilômetros com sua família. O deslocamento foi até uma barragem, construída por iniciativa da agência da ONU para o meio ambiente, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud), onde os africanos puderam, finalmente, conseguir água para consumo próprio e de sua pequena criação de gado. Sem água, os bichos e eles próprios estariam fadados a morrer de fome, de sede. Com coragem, Yasin pôde conduzir sua família a reescrever sua história.

A foto de Yasin ilustra um relatório elaborado pelo Pnud  para mostrar que há boas iniciativas sendo postas em prática com o objetivo de tentar livrar os desvalidos mundo afora da tormenta da seca. Mais de 615 mil pessoas estão na mesma situação de Yasin. A Somália é um dos quatro países do mundo que mais sofrem com a falta de água.

A seca, como demonstram os cientistas, é um fenômeno diretamente ligado ao abuso de combustíveis fósseis, que emitem gases poluentes na atmosfera. Tais emissões mudaram radicalmente o clima e asseveram eventos extremos, como a falta de chuvas ou tempestades e furacões. Yasin exemplifica um discurso que já se tornou corriqueiro entre aqueles que defendem uma mudança radical de hábitos de consumo e de produção no mundo. Os que menos se beneficiam do petróleo são os que mais sofrem as consequências das mudanças climáticas causadas pelo abuso do recurso.  Disso todo mundo já sabe, mas  o esforço para a mudança precisa de coragem.

Enquanto isso, os cientistas do clima continuam fazendo seu trabalho, sendo os arautos do acirramento dessa mudança do clima que já está atingindo vidas como a de Yasin. Na semana passada, vazou o rascunho do relatório que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) vai publicar em outubro. A agência de notícias Reuters teve acesso a algumas informações e pôs no ar. Não há informações muito novas, por enquanto, no que foi descoberto: “Os governos têm que começar a sugar o dióxido de carbono do ar se quiserem, de fato, limitar em 1,5 grau acima do que era registrado no início da era industrial o aumento da temperatura no planeta até 2040”, diz um trecho. A organização mandou avisar que tudo ainda é um rascunho e que as informações podem mudar.

A novidade é que já não se fala mais num prazo tão longínquo, não é mais “até o fim do século”. Os cientistas afirmam  que daqui a pouco mais do que duas décadas  o planeta estará 1,5 grau mais quente. Os bebês que estão nascendo hoje, portanto, alcançarão a juventude num planeta em condições bem mais difíceis de sobrevivência.  E, de acordo com o documento vazado, que agora está nas mãos de revisores, vai ser preciso que a humanidade se dê conta, finalmente, de que a vida é mais importante do que qualquer outra coisa.

“Limitar o aquecimento a 1.5ºC ajudaria a diminuir os extremos de calor, secas e inundações. Ajudaria também a limitar a migração de pessoas e até riscos de conflito. Mas este aumento de temperatura pode não ser suficiente para proteger muitos recifes de corais, que já sofrem de temperaturas mais altas do oceano e gelo armazenado na Groenlândia e na Antártica Ocidental, cujo derretimento está aumentando os níveis do mar”, diz um trecho da reportagem publicada pela Agência de Notícias Reuters.

O cenário não é mesmo animador.  Mas gosto da ideia lançada no início do ano pelo Programa  das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que decidiu colar em seu site um vídeo otimista. Se, há duas décadas, o número de pessoas vivendo na miséria estava na casa dos bilhões, hoje são cerca de 760 milhões, e isto, sim, é um avanço, por menor que seja.  O vídeo mostra casos bem-sucedidos na luta pela sobrevivência. Conta, por exemplo, como foi difícil garantir uma torneira de água numa aldeia do Nepal, na Índia, arrasada pela seca.

No Líbano, onde uma a cada sete pessoas vivem sem eletricidade, histórias de três mulheres são um exemplo que ajuda a acreditar que, com um olhar cuidadoso, é possível reverter situações que beiram o limite do insuportável e dar um outro tipo de qualidade de vida às pessoas. Iluminar a rua de uma pequena aldeia com luz solar, garantir uma estufa para uma casa, um painel fotovoltaico para outra, são criações que vão fazendo a diferença e transformando vidas.

Quando os cientistas falam sobre a necessidade de se mudar radicalmente a produção e o consumo, referem-se à indústria e aos que podem comprar. O Acordo de Paris, conseguido entre os 193 países das Nações Unidas durante a Conferência Mundial do Clima (COP21) em 2015, traz essa recomendação. A questão é que mudou a governança da nação mais poderosa e o presidente Donald Trump não se sente animado a olhar o mundo com a perspectiva de que mais pode ser menos. Com ele, alguns outros tomaram o mesmo rumo.

Trump é um cético do clima. Fecha os olhos às evidências. 2017 foi o ano mais quente, segundo a Nasa, e a tendência global de aquecimento da superfície da Terra entre 1964 e 2017 é de 0,17 a 0,18 graus Celsius, o que é consistente com as previsões dos cientistas. Mas, no fim deste ano, o presidente mandou  uma mensagem pelo Twitter onde tentava fazer graça sobre uma noite de Ano Novo bem fria, dizendo que o aquecimento global talvez fosse até bom para eles naquele momento… Brincou com coisa séria.

Esqueceu-se o presidente que a América do Norte, ela mesma, foi vítima dos eventos extremos causados pelo aquecimento global em 2017. O furacão Harvey, a temporada de incêndios na Califórnia, são apenas alguns.

“A América foi atingida por catástrofes meteorológicas e climáticas de 15 bilhões de dólares em 2017, e provavelmente este será o ano mais caro por conta da contabilização dos eventos extremos”, escreveu Dana Nuccitelli no “The Guardian”.

A diferença é que lá há dinheiro para corrigir os problemas, o que não acontece nos países africanos, o que não acontece na Índia ou em outros emergentes. No sistema econômico que impera no Ocidente, esta diferença ganha contornos decisivos para a vida de muitos.

Mas, sinceramente, fico feliz com o relatório do Pnud e em poder compartilhar as histórias dessas pessoas corajosas que enfrentam o que der e vier para garantir, simplesmente, sua vida. É do que se trata.

Fonte: Amelia Gonzalez (G1)