Se existe uma maneira de conciliar a utilização de recursos naturais e o meio ambiente, a resposta está dentro das comunidades ribeirinhas da região da floresta amazônica que vivem harmonicamente com a natureza. A ecologista e Jovem Exploradora National Geographic Carolina Freitas persegue o que consideramos ser um grande desafio da sustentabilidade em um trabalho focado no uso tradicional dos matupás, ilhas flutuantes formadas por material orgânico parcialmente decomposto na base e vegetação superficial. De fala tranquila e bom humor, ela explica sua pesquisa durante o Explorer Festival, evento que uniu vários pesquisadores na Cidade do México, ao longo da semana passada.
NG: Como você se interessou em pesquisar os matupás?
CF: Os matupás surgiram na minha vida totalmente por acaso. Fui para a Amazônia fazer um mestrado e não sabia ainda qual seria o tema da minha pesquisa, mas sempre gostei muito da ideia de estudar a relação dos seres humanos com o meio ambiente, acabei me deparando com a questão dos matupás, ilhas flutuantes que as pessoas usam como área de cultivo, e fiquei muito curiosa. Descobri que ninguém ainda tinha estudado esse assunto. Minha motivação foi tentar entender melhor como funcionam, o que tem nesses ambientes, como as pessoas os utilizam e qual a importância deles para elas e para todo o ecossistema ali existente.
Qual o seu objetivo com esse estudo?
Eu sempre fui muito interessada pela relação dos seres humano e o meio ambiente, como conciliar conservação da biodiversidade com a qualidade de vida dos povos locais. Muitas vezes, os povos locais que usam os recursos diretamente acabam pagando o pato pelo consumismo e pelo modo de vida dos bilhões de vidas de pessoas que existem na Terra. Dessa forma, eles são desprovidos de utilizar aqueles recursos naturais porque existem uma série de proibições impostas. O meu objetivo é pensar em alternativas para que essas pessoas continuem usando os recursos como elas vêm fazendo há séculos, mas que seja de forma sustentável e que possa garantir o provimento desses recursos para todo o mercado, assim como a manutenção do modo de vida tradicional da população local.
Quais histórias você trouxe dessa experiência?
Estudando os matupás, eu passei por algumas situações engraçadas, porque, como eu disse, nunca ninguém havia pesquisado essas ilhas. Então, eu não sabia como fazer, os métodos, como trabalhar, e foi quando comecei a procurar pessoas que conheciam esses ambientes. Mas todo mundo que eu encontrava me dizia que era totalmente louca, que eu não podia ir a esses lugares porque tinham muitos crocodilos, cobras, aranhas etc. Eu fiquei com bastante medo, mas encarei. Quando cheguei às comunidades, todos realmente me consideravam louca e acabei descobrindo que essas ilhas, além de ter toda uma fauna assustadora, são envoltas por lendas sobre um ser mágico chamado Cobra Grande. Todo mundo tinha medo dela. Eu precisava de assistentes de campo, por exemplo, e eles queriam ir armados, diziam que, se ouvissem qualquer barulho, sairiam correndo. Acabei vivendo um pouco dessa apreensão porque eu não sabia bem o que esperar.
Qual foi seu maior desafio durante a pesquisa?
Eu não me senti muito desafiada porque sempre me senti muita vontade de estar ali, sempre foi o ambiente que eu queria estar. Acho que o único real desafio era o cuidado necessário em abordar as pessoas, explicar direito minhas intenções de pesquisa e voltar depois para mostrar os resultados. Às vezes, ficamos tão focados em nossos objetivos que esquecemos que essas pessoas não estão inclusas no nosso mundo, elas muitas vezes sequer entendem realmente o que queremos. É preciso deixar tudo claro.
Por que você considera que as comunidades locais podem nos ensinar tanto?
Eu acho que as comunidades podem ensinar muita coisa porque na maioria das vezes os modos de vida tradicionais são bem mais sustentáveis do que os modos de vida que temos. Acredito que há muito o que aprender com a população local. A visão da natureza delas é muito mais ampla, elas percebem padrões que nós deixamos escapar. As coisas que estão ali na nossa frente podem nos ensinar a observar melhor o meio em que vivemos. Além disso, elas nos fazem viver o hoje, não estão interessadas em acumular coisas. O uso dos recursos delas é muito mais imediato. Muito diferente do comportamento da nossa sociedade.
Se não fosse Exploradora, o que você faria?
Não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Na verdade, eu acho que se eu não trabalhasse com pesquisa eu trabalharia com outro tipo de ação nesse mundo de preservação. Talvez em uma ONG ou em algum tipo de ação do terceiro setor em que eu possa trazer para o mundo prático algo que eu acredito. Mas seria dentro dessa temática da conservação.
O que é preciso levar em conta nas medidas de preservação do meio ambiente?
A primeira coisa a ser considerada é entender que os povos locais têm contato direto com os recursos naturais. Temos leis que protegem os ambientes mas esquecemos que é a população de lá que vive nele e maneja seus recursos. Portanto, a primeira coisa é incluir essas pessoas nas decisões. Porque, no final das contas, elas vão fazer aquilo que acreditam ser certo ou necessário. Eu vejo as populações locais como peça-chave na garantia da biodiversidade de todos ambientes em médio e longo prazo. Elas têm um grande impacto e um conhecimento que precisa ser valorizado e incorporado nas pesquisas científicas.
O que você espera do seu futuro?
Eu gosto muito da pesquisa, mas me vejo cada vez mais trabalhando de uma forma mais prática com o objetivo de aplicar esse conhecimento científico na vida real em iniciativas que promovem mudanças. Eu me vejo trabalhando em comunidades locais ajudando-os a perceber alternativas. Ajudá-los a conseguir apoio para aplicar essas mudanças, esse tipo de coisa.
Como você imagina que será o futuro da Terra?
Eu acho que pode ser horrível, mas acho também que podemos encontrar algumas alternativas para melhorar nossa relação com o meio ambiente e conseguir dosar melhor nosso impacto e recuperar alguns retrocessos. Vai depender das nossas atitudes de hoje.
Fonte: National Geographic