Equipado com uma sonda gigantesca e com instrumentos de perfuração de última geração, o navio foi desenhado para alcançar profundezas em busca das riquezas que estariam guardadas no assoalho oceânico – metais preciosos e outros minerais.
A viagem foi anunciada como o mais audacioso passo em direção à chamada mineração oceânica.
Só havia um pequeno problema: a expedição inteira era uma farsa.
O verdadeiro objetivo da tripulação a bordo daquele navio era encontrar um submarino soviético que desaparecera seis anos antes, o K-129, que afundou enquanto transportava mísseis nucleares, a cerca de 2,4 mil km a noroeste do Havaí.
Os russos falharam na busca à embarcação, mas os americanos conseguiram detectar o barulho de uma explosão debaixo d’água que eventualmente os levaria até os destroços.
Eles estavam situados a quase 5 km abaixo da superfície, mais fundo do que qualquer operação anterior de resgate. Na disputa pela supremacia militar da época, o submarino representava as joias da coroa – uma chance de explorar os mísseis de Moscou e detalhes da indústria naval russa.
Então a CIA, agência de inteligência americana, bolou um plano audacioso, chamado Projeto Azorian, para resgatar o submarino sem que os russos desconfiassem. Para dar veracidade ao enredo que usariam como cortina de fumaça – a exploração de riquezas minerais naquela parte do Pacífico -, a agência precisava de um homem rico à frente da empreitada, alguém que tornasse a história plausível.
Pensaram então no magnata excêntrico Howard Hughes.
Ele topou participar da trama e, em seu nome, um navio foi construído para a missão. Chamada de Hughes Glomar Explore, a embarcação foi feita com elementos dignos de um filme de James Bond, com um compartimento secreto para abrigar o submarino.
Para que os russos não desconfiassem e ficassem convencidos de que Hughes estava genuinamente interessado nesse novo mercado, executivos foram enviados a conferências de mineração oceânica para descrever em detalhes os planos da empreitada.
Foram seis anos para que a embarcação, orçada em US$ 500 milhões, ficasse pronta, com equipamentos para aguentar o peso do submarino.
“Fizemos a mineração oceânica parecer muito mais crível. Realmente enganamos muita gente, e é supreendente que a história tenha sido sustentada por tanto tempo”, diz Dave Sharp, um dos poucos ex-agentes da CIA que falam sobre esse projeto.
O disfarce do verdadeiro objetivo da missão foi convincente a ponto de elevar o preço das ações das empresas envolvidas e de levar universidades americanas a considerar a abertura de cursos sobre esse tipo de mineração.
Segundo Sharp, eles chegaram inclusive a coletar alguns “nódulos”, como são chamadas as pequenas rochas ricas em minerais, já que navios-espiões soviéticos monitoravam a região.
Hora do resgate
Para colocar o navio em ação era necessário que as águas estivessem calmas – o que só aconteceria no verão.
Porém, pouco antes de o verão de 74 começar, o então presidente americano Richard Nixon estava em Moscou para uma conferência de acordo de paz. Como o risco de ser pego tentando roubar um submarino soviético não ajudaria em nada no processo, Nixon pediu para segurar a ação até que ele deixasse a Rússia. No dia 4 de julho as sondas de perfuração entraram em ação.
As coisas não correram como planejado durante as buscas e o navio teve vários problemas técnicos.
No dia 30 de julho, o submarino foi encontrado pelas câmeras subaquáticas usadas nas buscas. Enquanto ele era içado, contudo, a parte traseira da estrutura se soltou e caiu de novo na água. Apenas a parte da frente foi embarcada no navio. Dentro dela foram encontrados os corpos de seis russos, mas as armas e os livros com os códigos secretos que os americanos esperavam achar nunca apareceram.
A versão oficial da CIA afirma que a operação foi um dos golpes de inteligência mais bem dados da Guerra Fria – mas as enormes quantias envolvidas na expedição levantaram questões sobre sua necessidade. Um ano depois, os detalhes cinematográficos da missão se tornaram públicos e a ideia de recuperar a metade do submarino que tinha voltado ao oceano foi abandonada.
Segundo Sharp, a revelação de que o projeto de mineração oceânica era falso foi um choque para as outras companhias da área e também para diplomatas da ONU que estavam em meio a negociações de direitos de minérios. Os preços das ações caíram em meio a uma onda de recriminações.
Em busca de minério
Em Papua Nova Guiné, sentado em uma sala com ar condicionado, Leslie Kewa segura um controle que irá comandar uma máquina do tamanho de uma casa. Quase meio século após agentes da CIA fingirem que estavam explorando o assoalho oceânico, Kewa, um especialista em operar máquinas gigantescas, está para fazer isso de verdade.
A que ele vai operar é única, não apenas por causa do poder de destruição de seus dentes giratórios de aço e sua aparência assustadora, com um quê de Mad Max, mas também porque ela é feita para ser usada além do alcance humano.
Kewa admite estar um pouco assustado quando começa a apertar os primeiros botões de comando. Se tudo sair como planejado, no próximo ano ele poderá ser a primeira pessoa a quebrar uma rocha em uma mina marítima profunda.
O projeto, tocado por uma empresa canadense, a Nautilus Minerals, será gerenciado a partir de um navio nas águas tropicais do Mar de Bismarck, nos arredores de Papua Nova Guiné. Três dessas máquinas serão levadas aos declives de um vulcão submarino. A área, em meio a fissuras hidrotermais e com espécies de chaminés com águas ferventes saindo das rochas, é surpreendentemente rica em metais valiosos e foi batizada de Solwara 1, que significa água salgada na língua local.
Peixes em perigo
Mas essas fissuras hidrotermais também hospedam comunidades de vida marinha – cobras, minhocas e camarões que se desenvolveram em condições muito específicas. Algumas dessas criaturas são extremamente raras, o que torna controversos os projetos de mineração oceânica.
A Nautilus Minerals diz que fará a exploração em uma pequena área e que esta respeitará as espécies ali. A empresa estima que apenas a exploração do cobre faria uma eventual indústria da mineração submarina valer US$ 30 bilhões por ano em 2030.
Um projeto de mineração oceânica desenvolvido por japoneses nos arredores de Okinawa descobriu uma quantidade suficiente de zinco para abastecer o Japão por um ano inteiro. Os japoneses mantiveram segredo sobre essa prospecção até que ela chegasse ao fim, sendo revelada no ano passado.
A atratividade para o governo de Papua Nova Guiné, que se beneficiaria da arrecadação como sócio da empreitada, é óbvia. A Nautilus concordou em delegar alguns estágios do projeto a administrações locais para também ajudar comunidades da região.
A história de mineração em Papua Nova Guiné, contudo, não inspira otimismo. Milhares continuam vivendo abaixo da linha da pobreza, apesar da massiva extração de minérios em suas montanhas. E, para alguns, se arriscar no mar pode ser perigoso.
Jonathan Mesulam, um dos moradores da ilha Nova Irlanda, em Papua Nova Guiné, conta que descobriu o projeto de mineração oceânica lendo o jornal e que ficou chocado com a notícia. “Temos uma conexão com o mar. Ele tem sido parte da nossa cultura por gerações e o conhecimento tradicional do mar vem dos nossos ancestrais”, fala.
Segundo ele, as comunidades costeiras dependem da pesca, e essa atividade pode ser prejudicada se as águas ficarem cheias de poeira ou de poluição geradas pela mineração. A indústria do atum ali é responsável por milhares de empregos.
O morador integra o grupo chamado de Aliança dos Guerreiros de Solwara, que se opõe ao projeto da Nautilus Minerals. A empresa diz que a empreitada não afetará a pesca e afirma estar trabalhando com a comunidade, ajudando a custear tratamentos de saúde e até construindo uma nova ponte.
Fonte: BBC