A quase 1,2 mil km de distância da costa do Espírito Santo, no fim de uma extensa cadeia de montanhas submarinas e no ponto mais oriental do Brasil, surge, no meio do Atlântico, o arquipélago de Trindade e Martim Vaz. Ocupado oficialmente pela marinha brasileira desde 1897 – quando o capitão Joaquim Rodrigues Torres colocou um marco de bronze na ilha principal –, o arquipélago é uma das duas mais novas unidades de conservação oceânica do Brasil.
Na terça-feira, dia 19 de março, foram publicados no Diário Oficial da União dois decretos oficializando a criação das novas unidades de conservação marinhas nos litorais sudeste e nordeste do país. A medida amplia de 1,5% para 25% a área marinha protegida da zona costeira nacional e é um importante passo na conservação da biodiversidade brasileira.
O primeiro decreto institui a Área de Proteção Ambiental e o Monumento Natural do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz e Monte Colúmbia, no leste da Zona Econômica Exclusiva Brasileira (ZEE) da costa do Espírito Santo.
O segundo institucionaliza a Área de Proteção Ambiental Marinha do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e o Monumento Natural Marinho do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, no nordeste da ZEE, no litoral de Pernambuco.
Segundo o professor de oceanografia Alexander Turra, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo, a criação das áreas é importante para a preservação da diversidade de espécies presentes na região, algumas endêmicas. “A faixa de proteção de Vitória, por exemplo, é um corredor de migração natural para algumas espécies, garantindo em parte sua trajetória da costeira para o mar profundo”, explica Turra.
O professor explica que a ação pode ser efetiva não só para a natureza, mas também para o comércio. “Não é interessante para os pescadores que a quantidade de peixes no local diminua. Com uma área de proteção, esses organismos possuem um ambiente protegido para se reproduzir e circular pelos mares, aumentando sua população geral. ”, diz ele.
Mas ambientalistas que acompanharam as consultas públicas criticaram uma suposta manobra do governo, que teria retirado da área de proteção trechos de grande biodiversidade próximos à costa da Ilha de Trindade. Outra crítica é em relação à distância das áreas protegidas do litoral brasileiro. Mesmo mais próximo à costa, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo também fica muito longe, a 987 quilômetros de Natal, no litoral do Rio Grande do Norte. Mesmo assim, a medida é importante por que representa uma intenção de proteção a longo prazo das espécies, impedindo que os impactos de exploração ao redor atinjam por completo a biodiversidade das regiões.
Turra chama atenção, porém, para o fato de que a criação dos parques não basta, é preciso fiscalização constante. Já que as áreas possuem um raio de área muito grande, é preciso uma gestão eficiente para realizar a manutenção correta dessas unidades de preservação com um plano de manejo elaborado e um conselho com representação de todos os setores da sociedade. “Esse é apenas o primeiro passo. ”
Histórias do mar
Apesar do tamanho – tem apenas 10,5 km2, metade da área do arquipélago Fernando de Noronha – e da localização remota, Trindade e Martim Vaz já foi testemunha de inúmeras histórias curiosas.
O arquipélago foi descoberto pelo navegador espanhol João da Nova em 1501 e batizado como Trindade pelo português Estêvão da Gama já em 1502. Então, a ilha foi visitada pelo astrônomo Edmundo Halley em 1700, ocupada por ingleses em 1781, transformada em presídio para detentos políticos em 1924 e foi até testemunha de uma batalha da Primeira Guerra Mundial entre britânicos e alemães.
Em 1957, a Marinha do Brasil instalou o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (Poit), que hoje abriga cerca de 40 marinheiros e dá suporte a pesquisadores civis no arquipélago. Mantimentos e a troca do contingente militar chegam a cada três meses de navio, o único meio de transporte possível. Foi em uma dessas viagens que o fotógrafo Flávio Forner pegou carona.
Forner desembarcou na ilha para ajudar nas filmagens de um documentário e fotografar o trabalho dos marinheiros, dos pesquisadores do Projeto Tamar e do professor Thomas Campos, geólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que tenta desvendar a misteriosa história da formação do arquipélago, fruto de uma série de erupções vulcânicas que aconteceram há 3 milhões de anos.
As imagens que ele trouxe revelam um pouco do cotidiano pacato, mas diverso, das ilhas oceânicas. “Ainda há muito o que fotografar porque apesar da ilha ser pequena, os lugares são de difícil acesso. As escarpas de rocha exigem equipamentos de escalada específicos”, diz Forner. O tempo também foi um empecilho. O fotógrafo ficou apenas os 4 dias em que o navio da marinha esteve atracado na ilha. Mas, da próxima vez, diz que não vai voltar, pretende ficar três meses isolado, esperando pela próxima carona. “Só assim para conhecer esse paraíso por inteiro.”
Fonte: National Geographic