Quando Yuri Gagarin, o primeiro ser humano a abandonar os limites da Terra, olhou para trás e a viu de fora, sua visão de mundo mudou para sempre: “Vi pela primeira vez como o nosso planeta é bonito”, comentou, ao retornar. “Humanidade, vamos preservar e aumentar esta beleza, ao invés de destruí-la.”
Desde então, muitos astronautas relataram sentimentos semelhantes, apontando a necessidade de proteger um planeta que de repente lhes pareceu mínimo, frágil e solitário no universo.
Recentemente, o astronauta americano Scott Kelly observou que olhar o planeta do alto transforma a pessoa “mais num ambientalista”. Kelly presenciou algo que não seria visível na época de Gagarin: a partir da Estação Espacial Internacional (ISS), ele viu certas partes da Terra cobertas por um espesso véu de poluição.
Tal perspectiva extraterrestre não está apenas mudando a relação com o planeta num nível conceitual, mas também ajudando a humanidade a desenvolver soluções para protegê-lo.
Na última semana, mais de cem cientistas se reuniram na cidade alemã de Colônia na Conferência sobre a Mudança Climática organizada pelo Centro Aeroespacial Alemão (DLR). O tema era como a pesquisa a partir do espaço pode ajudar a entender melhor e se adaptar à alteração do clima global.
“A Terra está doente e temos que monitorá-la. Acho que uma das melhores maneiras de fazê-lo é via satélite”, afirmou no encontro Maurice Borgeaud, diretor do departamento de ciência, aplicativos e tecnologias futuras da Agência Espacial Europeia (ESA).
Climatologistas estão coletando e analisando dados de dezenas de satélites de observação da Terra, em órbita para monitorar o derretimento do gelo polar e a elevação do nível do mar, detectar desertificação e até mesmo fornecer avisos precoces sobre desastres naturais, como furacões e enchentes.
Tais observações são cruciais para combater as mudanças climáticas, afirma Juan Carlos Villagran de Leon, chefe do escritório em Bonn do programa Plataforma das Nações Unidas de Informação Espacial para Gestão de Desastres e Respostas de Emergências (UN-SPIDER, na sigla em inglês).
“O espaço nos dá a visão global de processos globais, que não temos como obter com medições isoladas”, explicou à DW. “Uma das questões-chave é o incremento do nível do mar. Os dados coletados do espaço nos permitem comparar o que acontece numa região do mundo e em outra.”
Grande parte das informações dos satélites de observação terrestre é agora pública e acessível gratuitamente aos governos de todo o mundo. A Organização das Nações Unidas espera que os responsáveis pela elaboração de políticas os utilizem para aumentar suas contribuições aos cortes de emissões, nos termos do Acordo do Clima de Paris. Só quando se dispõe dos fatos, pode-se saber o que precisa ser mudado, observou Villagran de Leon.
Detetives de CO2 no espaço
Em breve, satélites poderão coletar dados não só sobre os efeitos das mudanças climáticas, mas também sobre suas causas. No momento, os cientistas ainda não têm como quantificar a velocidade com que estamos lançando gases do efeito estufa na atmosfera, ou de onde eles estão vindo.
As pegadas de carbono dos diferentes países são calculadas com base em seu consumo de energia e dados de produção de carvão mineral, petróleo e outros combustíveis fósseis. Contudo, argumentam os pesquisadores, sem meios para quantificar e verificar as emissões de dióxido de carbono, é difícil avaliar o sucesso obtido ao tentar reduzi-los.
“Se quisermos cumprir os Acordo de Paris, precisamos monitorar as emissões de CO2, para nos assegurarmos de que estamos atingindo nossas metas”, reivindicou na conferência do DLR Philippe Ciais, especialista em clima do Instituto Pierre-Simon Laplace (IPSL).
A ESA está tentando fazer exatamente isso, com satélites capazes de medir com precisão o volume das emissões de gases-estufa na atmosfera, de onde partem e até mesmo identificar emissores individuais, como grandes usinas elétricas. Os “detetives do CO2” ajudarão a identificar os grandes poluidores e a apoiar os governos a priorizarem regulamentos, a fim de alcançar suas metas climáticas.
A Agência Espacial pretende lançar a Missão de Monitoramento do CO2 por volta de 2025. Pode parecer um prazo excessivo para um problema tão urgente quanto as mudanças climáticas, mas o climatologista do Instituto de Física Ambiental da Universidade de Bremen Heinrich Bovensmann lembra que missões espaciais exigem um planejamento longo, geralmente de 15 a 20 anos desde a concepção à implementação.
Na realidade, a Missão de Monitoramento do CO2 está transcorrendo em ritmo acelerado. “A julgar por tudo o que temos visto até agora, todas as instâncias participantes – como a ESA, a União Europeia, os cientistas – estão seriamente comprometidas em implementá-la logo”, esclarece Bovensmann. “No momento, a missão do CO2 tem prioridade máxima.”
Alfaces no espaço
Mas dados sobre a poluição não são a única forma como as agências espaciais estão contribuindo para proteger a vida na Terra. Ao cultivar vegetais no espaço, como parte de um projeto tendo em vista uma potencial missão em Marte, os astronautas descobriram algo que pode beneficiar a sobrevivência no planeta natal.
Experimentando como as plantas se comportam na gravidade zero, os cosmonautas que cuidam da horta a bordo da ISS constataram que elas necessitam de bem menos irrigação do que na Terra. A pesquisa poderá ajudar os agricultores a poupar água – algo com importância crescente para alimentar um mundo com clima mais quente.
No início de abril, membros da tripulação da ISS colheram alface romana vermelha do experimento VEG da Nasa, a terceira rodada do projeto. Eles tiveram que reservar parte da colheita para as pesquisas ao retornar à Terra e puderam comer o restante.
“Estava uma delícia”, anunciou o cosmonauta Anton Shkaplerov no Instagram, comemorando a bem-vinda mudança em relação à dieta desidratada a que teve que se habituar.
Mesmo uma simples folha de alface parece uma coisa milagrosa quando se está longe da Terra. E como a aterrissagem dos primeiros humanos em Marte ainda está longe de se tornar realidade, a humanidade deveria escutar os exploradores espaciais e preservar o planeta que têm à disposição.
Fonte: Deutsche Welle