Mais da metade das florestas tropicais do mundo foram perdidas devido a demanda por madeira e terra para plantio. Em nenhum lugar essa crise é mais intensa do que na Amazônia, onde a pecuária, derrubada de árvores, mineração e propriedades privadas estão destruindo o que ainda resta.
O novo livro de Chris Feliciano Arnold, The third bank of the river: Power and surival in the twenty-first century Amazon (A terceira margem do rio: Poder e sobrevivência na Amazônia do século 21, em português, mas ainda não lançado no país), não fala diretamente desses problemas. Ao invés disso, ele leva o leitor a uma jornada por trás das cenas para revelar os problemas políticos e econômicos ocultos – da corrupção ao tráfico de drogas e à extração ilegal de madeira – e as ligações entre eles.
Falando de sua casa em San Francisco, Califórnia, o autor, nascido no Brasil mas criado nos Estados Unidos, explica como missionários cristãos usam barcos e a promessa de dentistas de graça para converter povos indígenas, por que a questão de contato com tribos remotas levanta tanta controvérsia e por que sua jornada tem uma motivação pessoal: encontrar sua mãe biológica.
Como uma criança dos anos 1980, eu cresci em uma época em que a narrativa popular sobre a Floresta Amazônica era de que se tratava de uma região ameaçada, mas que a ameaça era apenas o desflorestamento, e que salvar a floresta amazônica significava proteger as árvores. Mas, conforme me imergi na pesquisa para este livro, descobri que a história mais convincente e, na minha opinião, mais urgente, é a dos humanos da floresta tropical.
A Amazônia está enfrentando uma crise em vários níveis, do desflorestamento, mudança climática, direitos humanos, exacerbada pelo tráfico de drogas e tráfico de animais selvagens. Todas essas crises geram um feedback negativo em loop. Em uma região onde a transparência não é a norma, é importante chamar atenção para alguns desses problemas. O primeiro passo é ter uma visão completa da Amazônia, ter uma noção não apenas de sua beleza, mas também do perigo, mesmo que alguns desses elementos mais arrojados não passem na tevê.
Sua jornada também teve uma motivação pessoal. Conte-nos sobre a sua herança brasileira e sua busca por sua mãe biológica.
A minha conexão com o Brasil começou no meu nascimento. Meu nome do meio é o meu sobrenome original brasileiro, Feliciano. Eu nasci em Belo Horizonte, em 1981, na decadência da ditadura militar. Fui adotado quando criança por uma família branca da área rural de Oregon, onde eu vivi uma vida típica de um menino do campo americano – pescando, acampando e fazendo caminhadas. Meus pais nunca esconderam minhas origens de mim. Pelo contrário, eles foram muito abertos e me ajudaram a entender quem eu era e de onde eu vinha. Mas, na área rural de Oregon, não tem muito que se possa fazer para ajudar a dar ao seu filho uma sensação de identidade e cultura brasileiras. Para mim, o Brasil era essa terra imaginária, uma amálgama tropical: Rio de Janeiro, futebol e samba.
Eu não tive a oportunidade de conhecer o Brasil até meus 25 anos, quando eu passei um verão passeando por lá. Eu passei meu tempo aprendendo histórias do Brasil de livros e enciclopédias. Mas eu queria ver com meus próprios olhos. Com a pouca informação que eu tinha sobre minha família biológica, dentro da minha mochila estava a ideia de que eu poderia encontrar meus pais biológicos.
Eu cheguei na rodoviária de Belo Horizonte no meio da noite e me hospedei em um hotel. Eu tinha um número de telefone e liguei para minha mãe biológica. Conhecer minha família biológica e ver meus parentes brasileiros pela primeira vez foi um momento decisivo da minha vida adulta. Todos choraram muito, eu, minha mãe e seus outros filhos. Foi de uma emoção esmagadora.
A Amazônia tem um longo histórico de proselitismo de missionários cristãos. Apresente-nos ao Pastor Dave e sua igreja flutuante, Há Esperança.
Qualquer um que tenha estudado a história da América do Sul fica compreensivelmente apreensivo com o trabalho religioso na Amazônia, que já resultou em derramamento de sangue, etnocídio e genocídio. Com o Pastor Dave, eu queria entender o trabalho evangélico missionário contemporâneo que era feito na floresta Amazônica. Ele e sua esposa, Robin, e seu grupo de missionários voluntários têm base em Lakeland, Flórida, e o Pastor Dave tem trabalhado para levar a palavra de Jesus Cristo para regiões remotas da floresta tropical. Ele é uma personalidade enorme, típico da Flórida. Ele se refere a tudo em termos de jacarés. Se está com fome, é um jacaré faminto. Se estiver com raiva, é um jacaré com raiva.
Para missionários do século 21, como o Pastor Dave, a floresta Amazônica é um mercado de almas, um dos últimos lugares do mundo onde se pode encontrar pessoas que podem nunca ter ouvido o nome de Jesus Cristo. Há Esperança é sua batalha espiritual. Eles têm até uma cadeira de dentista que usa energia solar, que eles usam para extrair dentes de pessoas que podem nunca ter tido acesso a cuidados dentários antes. Eles têm um freezer com restos da fábrica local de sorvetes – sorvete que não era bom o bastante para vender – que eles levam. Eles têm um GPS para navegar os rios nesse barco tradicional.
Por fora, recuei fortemente da noção de trabalho missionário. Mas entendi, ao longo do meu tempo com o Pastor Dave, que a igreja está preenchendo um vazio, oferecendo serviços em lugares onde o governo não oferece.
Você escreve, “Para os últimos índios isolados da Amazônia, a virada do século 21 foi o último capítulo de sua saga de se esconder”. Conte-nos sobre Robert S. Walker e o Isolated Tribes Project, patrocinado pela National Geographic, e o intenso debate sobre a ética do “contato”.
Uma das coisas que eu não sabia quando comecei a escrever este livro é quanto ao debate que existe sobre o que pode e deve ser feito para proteger tribos isoladas. Não só na floresta Amazônica, mas nas florestas de todo mundo. Um dos debates mais contestados é se esses grupos de tribos isoladas podem ser melhor protegidos através do contato, para protegê-los contra desenvolvimento inevitável na Amazônia. Ou se a melhor abordagem é a “política do não contato”, onde protegemos as áreas de reserva sem fazer contato, sabendo que qualquer contato, não importando as boas intenções, podem ter consequências terríveis, da introdução de doenças a agentes culturais.
Eu explorei essa história com uma tribo isolada que emergiu na fronteira do Brasil com o Peru durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Enquanto a atenção do mundo estava voltada para esse grande evento esportivo, em um pequeno canto do país, uma tribo emergiu para fazer contato com outra tribo depois de serem massacradas por um grupo de lenhadores e traficantes.
Enquanto eu explorava a história dessa tribo e as questões sobre seu contato com tribos brasileiras, eu encontrei os dois lados do debate. Um é um grupo dos chamados antropólogos aplicados, que estão usando tecnologias sofisticadas para rastrear e medir o tamanho e saúde dos grupos indígenas em algumas das florestas mais isoladas da Amazônia. Para o Isolated Tribes Project, o dr. Robert Walker da Universidade do Missouri e sua equipe estão usando imagens de satélite da floresta tropical para identificar e medir a saúde relativa dos grupos indígenas, baseados no tamanho das clareiras que foram abertas para agricultura e construção de casas, assim por diante. Sua teoria é que imagens não invasivas de satélite podem ser usadas para medir a saúde das tribos, também para criar um limiar pelo qual saberemos em determinado momento que essa tribo ficou tão pequena que não é mais “viável” em termos de sua reprodução; ou, por outro lado, a tribo é grande, vibrante e saudável o bastante para se virar sozinha.
O outro lado desse debate sobre o trabalho de Walker é a enorme controvérsia dos puristas do não contato, como os da Survival International. Eles acreditam que o trabalho de Walker e todo o conceito de contato controlado está colocando as tribos isoladas em perigo e, de certa forma, servindo aos interesses de corporações multinacionais e agronegócios do Brasil, que querem explorar esses territórios subdesenvolvidos.
Este é um tremendo debate, que para mim se resume a responder perguntas monumentais que parecem ser pertinentes para todo o mundo. Até que ponto essa “marcha do progresso” é inevitável e como, em um mundo que está mudando tão rapidamente, nós protegemos e aprendemos com essa sabedoria indígena, que representa os conhecimentos e hábitos mais antigos do mundo?
Vamos olhar para o futuro. A Amazônia e seus povos podem ser salvos? O que nossos leitores podem fazer para ajudar?
Ótima pergunta! Vou qualificar isso, dizendo que a Amazônia vai durar mais do que todos nós. Quando falamos em “salvar a Amazônia”, estamos falando em salvar de uma maneira que nos permita continuar suportando a vida na Terra. Nesse ponto, há esperança para a Amazônia. Muitas das estruturas necessárias, seja a demarcação de reservas indígenas; leis e regulamentações sobre como a floresta pode ser usada; ou proteção para a Amazônia e seus povos, estão consagradas na Constituição Brasileira. Mas o que descobrimos, como muitas outras coisas no Brasil, é que a realidade não se encaixa no que diz a lei.
Uma das coisas mais importantes que os líderes brasileiros podem fazer, e os líderes internacionais podem dar apoio para que eles o façam, é garantir que as regulamentações e leis que já existem sejam honradas e respeitadas, e que as agências governamentais encarregadas de proteger o ambiente e os grupos indígenas recebam fundos para cumprir seus deveres, para que essas regulamentações e leis não sejam apenas uma teoria, mas que sejam implementadas na prática.
Todos podemos aumentar a conscientização sobre a região. Nos anos 1980 e 1990, a Amazônia era uma região de preocupação global. Eu acredito que neste momento da nossa história é novamente o momento de as pessoas pelo mundo saberem o que está acontecendo na Amazônia. Se você se importa com o clima, com o meio ambiente, com direitos humanos, com justiça social ou com o combate à corrupção, todas essas coisas são importantes na floresta amazônica agora, e todos no planeta têm interesse no que está acontecendo lá.
Estamos em um momento nos Estados Unidos onde há um enorme vácuo de liderança na América Latina, e muitos sucumbiram às tendências nacionalistas. Às vezes por um bom motivo. No passado, quando os Estados Unidos estavamenvolvidos na América Latina, coisas boas tipicamente não aconteciam. [Risos] Mas o primeiro passo é as pessoas colocarem essa região em suas listas de áreas e preocupação global, acompanhando as mudanças por lá e questionando os oficiais eleitos sobre as políticas de energia.
Fonte: National Geographic