É a primeira evidência cientifica de que os componentes da poluição do ar atingem a placenta depois de passar pelos pulmões e cair na corrente sanguínea.
A nova pesquisa examinou as placentas de cinco mulheres não fumantes que tiveram bebês saudáveis no hospital da Universidade. Com o consentimento delas, os pesquisadores examinaram os macrófagos – células do sistema imunológico que “comem” partículas danosas ao corpo – presentes suas placentas.
Estas células estão presentes nos pulmões e também fazem parte do sistema que protege o feto no tecido da placenta.
O estudo foi apresentado neste mês de setembro no Congresso Internacional da Sociedade Respiratória Europeia (ERS, na sigla em inglês), mas ainda não foi publicado em revistas científicas.
Usando um microscópio óptico, os pesquisadores encontraram 72 partículas negras entre 3.500 células. As partículas, examinadas com instrumentos ainda mais potentes, se parecem com as partículas de sujeira encontradas nos macrófagos dos pulmões.
“Ainda não sabemos se as partículas que encontramos podem passar para o feto, mas as pesquisas sugerem que isso é possível”, disse à BBC News Brasil a pediatra Norrice Liu, parte da equipe de pesquisadores da Queen Mary.
“O nosso próximo passo é examinar mais mulheres, mas também queremos entender como elas vivem e qual o nível de exposição que elas têm à poluição.”
O sistema respiratório funciona como uma espécie de peneira para as partículas de poluentes. As maiores costumam ser destruídas pelas células de defesa pulmonares, mas as mais finas podem cair na corrente sanguínea e chegar a outros órgãos do corpo.
Em 2016, um estudo da Universidade de Lancaster feito em 37 pessoas encontrou partículas de poluentes em suas células cerebrais.
Menos troca de nutrientes e oxigênio entre mãe e bebê
No Brasil, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP são alguns dos principais produtores de pesquisas que tentam compreender os efeitos da poluição urbana no corpo humano.
“O que sabemos? Que existe uma associação entre poluição e baixo peso ao nascer bastante consistente, mas não se sabe exatamente o porquê. Estudando um grupo de gestantes também vimos que as mulheres mais expostas à poluição têm mais alterações no fluxo de sangue da mãe para o bebê via placenta”, disse à BBC Brasil o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP.
Em dezembro de 2017, um estudo brasileiro comprovou, em camundongos, que a exposição a poluentes atmosféricos, antes ou durante a gravidez, altera algumas características da placenta, além de causar distúrbios em um sistema hormonal que controla a troca de substâncias entre a mãe e o bebê.
Os animais foram expostos a partículas PM 2,5 – poluentes comuns no ar em centros urbanos – dentro dos limites diários permitidos pela Organização Mundial de Saúde.
Um grupo foi exposto 15 dias antes da gestação, outro grupo teve contato com a poluição por 15 dias a partir do sexto dia da gravidez. Um terceiro grupo foi exposto das duas formas e um quarto foi poupado da poluição.
“A placenta das ratas diminuiu com a exposição às partículas de poluição em todos os casos de exposição. A superfície da placenta que fica em contato com a parede do útero diminuiu”, disse à BBC News Brasil o médico Joel Claudio Heimann, professor da USP e orientador do experimento, que fazia parte de uma tese de doutorado.
“Essa superfície é um indicador funcional da transferência de alimentos e oxigênio da mulher para o feto. Quanto menor é ela, menor é a transferência.”
Diferentemente da nova pesquisa britânica, no entanto, os brasileiros não chegaram a examinar as células placentárias em busca das partículas de poluentes que estariam lá.
“No resultado que obtivemos, não tínhamos outro fator de interferência que não a poluição. Então, as alterações que encontramos eram, sim, referentes à poluição”, afirma a pesquisadora Sônia de Fátima Soto, a autora do estudo.
“Estamos indo para um caminho interessante de provar que a poluição, mesmo dentro desse limite que a OMS diz ser seguro, causa problemas à nossa saúde e à nossa prole. Mas é preciso solidificar mais esses estudos para poder, por exemplo, questionar os limites da OMS.”
‘Catástrofe de saúde pública’
Nos últimos anos, cientistas vêm demonstrando que a exposição a poluentes durante a gravidez aumenta o risco de um parto prematuro e de que o bebê tenha um peso menor ao nascer.
Um estudo britânico que analisou 500 mil nascimentos e foi publicado em dezembro confirmou a conexão, e os pesquisadores afirmaram que o caso é uma “catástrofe da saúde pública mundial”.
Em trabalhos anteriores, pesquisadores brasileiros e estrangeiros estabeleceram ligações entre a poluição e uma maior probabilidade de que o feto exposto desenvolva hipertensão e outras doenças.
“Já temos evidências suficientes de que as nanopartículas de poluição chegam a todos os órgãos. Mas qual vai ser a resposta do feto depende da genética do bebê, de características familiares e epigenéticas, ou seja, do que acontece durante gravidez”, explica Saldiva.
Uma revisão de estudos coordenada pelo pesquisador e publicada em 2016 afirma que “a exposição pré-gestacional, gestacional e no início da vida aos poluentes do ar está associada com o comprometimento da função pulmonar e outras condições respiratórias negativas na infância e esses efeitos podem durar até a vida adulta”.
Os mecanismos pelos quais isso acontece, segundo o artigo, ainda não são completamente conhecidos, mas podem incluir alterações no DNA do feto e alterações no corpo da mãe, como stress e inflamação das células e hipoxia – baixa concentração de oxigênio nos tecidos.
“A verdade é que a mãe não pode fazer nada do ponto de vista individual para se proteger dessa chegada de partículas tóxicas ao bebê”, alerta Saldiva.
“Só podemos tentar diminuir a exposição à poluição.”
Fonte: BBC