Há um consenso no mundo científico de que, no mundo animal, o cuidado parental por parte de machos é raro entre mamíferos. Eles até podem se preocupar com alimentação ou mesmo, como é o caso dos leões, proteção – mas é um comportamento que já teriam mesmo se não houvesse filhotes no grupo.
Uma exceção que salta aos olhos dos pesquisadores é o caso dos gorilas. Estudos anteriores realizados com os da espécie montanhesa que vive em Ruanda, na África, já havia constatado que os machos dedicam bastante tempo em funções de cuidado com filhotes da comunidade, sendo eles seus filhos ou de outros.
Isto faz deles os únicos grandes símios em que machos desenvolvem fortes laços com os filhotes, conforme ressaltam autores de um estudo publicado nesta segunda-feira pela Universidade Northwestern, em Illinois, Estados Unidos.
O artigo, que está na mais recente edição do periódico Scientific Reports, procura entender os motivos deste comportamento.
E a resposta está no sexo – e na reprodução.
O método
Conforme explicou à BBC News Brasil a antropóloga e psicóloga Stacy Rosenbaum, pesquisadora do Departamento de Antropologia da universidade e principal autora da pesquisa, os cientistas utilizaram 100 horas de observação do comportamento de um grupo de gorilas-da-montanha.
“Então, calculamos a porcentagem do tempo que cada macho passou cuidando, tratando, ensinando filhotes e descansando com eles”, explica a pesquisadora.
Em seguida, esses dados foram analisados em comparação com o número total de descendentes que cada macho havia produzido em sua vida.
“(E a conclusão foi que) os gorilas machos que gastaram maiores porcentagens de seu tempo envolvidos em tais comportamentos geraram maior prole do que os outros, que se dedicaram menos”, diz Rosenbaum, enfatizando que, para o estudo, ajustes de controle foram feitos para que o grau de dominância do membro do grupo, a idade e a longevidade não interferissem no resultado final da amostra.
Os dados mostram um cenário um pouco diferente do que o imaginário padrão sugere quando se pensa em um grupo de gorilas. Sai a ideia de que a reprodução, no grupo, é dominada por um macho-alfa. E entra o poder de escolha feminino.
Conforme ressalta o antropólogo Christopher Kuzawa, coautor do trabalho e professor do Instituto de Pesquisa Política da mesma universidade, uma interpretação provável é que “as fêmeas optam por se acasalar com machos com base nessas interações”, ou seja, os machos que “passam muito tempo com grupos de filhotes, que cuidam e descansam com eles, são os que têm mais oportunidades reprodutivas”.
Rosenbaum lembra que há muito tempo se sabe que os gorilas-das-montanhas competem entre si, dentro do grupo, para ter “acesso às fêmeas” e conseguirem boas “oportunidades de acasalamento”.
“Mas esses novos dados sugerem uma estratégia mais diversificada”, comenta. “Os machos que cuidam dos filhotes são muito mais bem-sucedidos.”
De onde viemos
O estudo dá algumas pistas de como os comportamentos paternos podem ter evoluído, inclusive no caso dos seres humanos.
A antropóloga lembra que, tradicionalmente, os cientistas relacionam o cuidado parental masculino, de forma geral, a uma estrutura social específica – a monogamia -, “que ajudaria a garantir que os machos cuidassem de seus próprios filhos”.
“Mas esta pesquisa (em que o comportamento foi observado entre animais não monogâmicos) sugere que há um caminho alternativo pelo qual a evolução pode ter gerado este comportamento, em situações de grupo em que os machos podem não saber quais filhotes são seus”, comenta.
A ilação, portanto, é: será que não foi assim também entre os ancestrais humanos?
O próximo passo dos pesquisadores é analisar se há hormônios específicos que auxiliam este comportamento – e provoca essa relação de causa e consequência.
Estudos anteriores do qual o antropólogo Kuzawa fez parte mostraram que, em humanos, a testosterona diminui à medida que os homens se tornam pais. “E acredita-se que isto ajude a concentrar a atenção nas necessidades do recém-nascido”, pontua.
No caso dos gorilas, os pesquisadores não sabem se algo semelhante ocorre.
Há dúvidas para ambos os cenários. Se os gorilas que estão envolvidos particularmente em interação infantil experimentam declínios de testosterona e isso impediria sua capacidade de competir com outros machos, o nível baixo do hormônio poderia funcionar como algum atrativo para as fêmeas?
Ou, como eles são bem-sucedidos na atividade sexual, no caso dos gorilas, altos níveis de testosterona e o comportamento de paternidade ativa não são excludentes?
Estas novas questões ainda precisam ser estudadas. Rosenbaum adianta que a ideia agora é justamente esta: caracterizar os perfis hormonais dos machos ao longo do tempo.
Poder feminino
Se ainda não se sabe ao certo qual é o mecanismo biológico que norteia o comportamento dos gorilas machos, o que os cientistas já cravam com segurança é que, nas comunidades desses animais, o papel feminino é fundamental na hora de escolher quais genes serão passados adiante.
“Não sabemos ainda qual é o mecanismo que impulsiona tal correlação encontrada, mas a explicação mais plausível é que as fêmeas preferem machos que cuidam da prole”, define Rosenbaum.
“Isso sugere que a escolha feminina pode ser um fator muito mais importante do que supúnhamos anteriormente na condução da trajetória evolutiva dos gorilas.”
Ela enfatiza que, com base na pesquisa, pode-se dizer que as gorilas fêmeas “não são apenas observadoras passivas que acasalam com qualquer macho que vença as lutas”.
“Elas têm preferências e as expressam. E suas escolhas têm importantes consequências evolutivas”, diz.
E, enquanto estuda o mundo dos gorilas, a psicóloga não deixa de pensar nos seres humanos.
“Um dos mistérios da evolução humana é como foi que formas muito intensas de cuidados masculinos começaram, ainda entre nossos ancestrais já extintos. Nossa pesquisa sugere um caminho que a seleção natural pode ter tomado para obter formas rudimentares desse comportamento zeloso”, aponta.