O que as pesquisas espaciais revelam sobre nutrição e vitaminas para a vida cotidiana na Terra

Astronauta Peggy Whitson sorrindo logo após o pouso na Terra
Esforços para melhorar a nutrição de astronautas e compreender seus efeitos também beneficiam quem fica na terra, dizem especialistas

Por milhares de anos, a nutrição tem sido um fator determinante do sucesso ou fracasso da aventura humana.

Isto é especialmente verdadeiro em se tratando de voos espaciais.

É essencial evitar que os astronautas fiquem desnutridos durante as missões, que muitas vezes duram meses.

Mas a nutrição espacial moderna vai além disso. O objetivo é maximizar o desempenho da tripulação, reduzindo os efeitos prejudiciais do voo espacial e protegendo o grupo contra riscos de saúde a longo prazo, como câncer e doenças cardíacas.

Pode parecer exagerado despender tanto esforço na nutrição de um punhado de gente que se aventura no espaço.

Mas, como acontece com a maioria das pesquisas espaciais, qualquer avanço que eles consigam tem implicações claras para quem fica na Terra.

Problemas de visão e fertilidade: qual é a relação?

Alguns astronautas estão retornando do espaço com problemas de visão.

Isso inclui consequências na parte de trás dos olhos, como inchaço do nervo óptico.

Em outras palavras: alguns deles deixaram o planeta com a visão perfeita, mas voltaram para casa precisando de óculos.

Os efeitos da microgravidade no sistema circulatório já foram considerados culpados também por mudanças no fluido corporal e aumento da pressão sobre o cérebro.

Espaço
Astronautas que vivem na Estação Espacial Internacional precisam lidar com problemas específicos ligados à falta de gravidade

Mas essas teorias não explicam por que apenas de 30% a 40% dos astronautas desenvolvem problemas nos olhos. Poderia haver outra razão por trás disso?

Nossa teoria é de que diferenças genéticas podem afetar o funcionamento dos vasos sanguíneos.

Quando combinado com um fator desencadeante durante o voo espacial – como mudanças no fluido corporal – isso causa mais vazamentos nos vasos sanguíneos dentro ou ao redor do olho.

Isso faz com que a pressão aumente, levando a problemas oculares.

Membros da tripulação afetados demonstraram ter concentrações significativamente maiores de uma substância química chamada homocisteína, não só durante e após o voo, mas também antes dele.

A homocisteína é parte de uma via bioquímica que existe em praticamente todas as células do corpo e requer muitos tipos diferentes de vitamina B para funcionar.

Astronautas que relatam problemas oculares podem precisar de uma dose maior dessas vitaminas B do que outros, devido à sua composição genética.

Astronauta Karen Nyberg fazendo exame de vista
Problemas de visão têm sido identificados em alguns astronautas e podem requerer doses maiores de vitaminas B

Um elemento intrigante desta pesquisa é que mulheres com síndrome dos ovários policísticos (SOP) – um distúrbio endocrinológico caracterizado, por exemplo, pelo aumento da produção de hormônios masculinos e ciclos menstruais irregulares – também tendem a ter concentrações acima da média de homocisteína e problemas circulatórios semelhantes aos detectados em astronautas homens com problemas nos olhos.

A SOP afeta o funcionamento dos ovários. É a principal causa de problemas de fertilidade e acredita-se que atinja até 20% das mulheres.

Esta condição não é bem compreendida e atualmente não há cura. Mas é possível que, ao compartilharem uma química sanguínea parecida, mulheres com SOP também possam se beneficiar com suplementos de vitamina B.

Ainda não há provas concretas, mas a Nasa e médicos da Mayo Clinic, em Minnesota, estão fazendo estudos para investigar a potencial relação que existe.

Esta pesquisa tem o potencial não apenas de resolver um dos principais riscos à saúde nas missões espaciais, mas também de entender melhor uma síndrome que afeta milhões de pessoas.

Estudar o espaço. Da cama

Estudos de nutrição de astronautas nos ajudam a entender como os humanos podem se adaptar a um voo espacial mais longo – e como podemos melhorar nossas vidas na Terra.

Pesquisas no espaço geralmente têm de ser feitas com recursos limitados e enfrentar os desafios da falta de gravidade, ou da chamada “microgravidade”.

Às vezes, estudos relacionados à Terra são feitos ​​com indivíduos saudáveis ​​que ficam em repouso por semanas ou meses em uma posição de inclinação.

Isso recria os efeitos da microgravidade e permite o monitoramento da perda óssea e muscular, entre outras mudanças.

Dois homens deitados em camas durante realização de estudo científico
Estudos relacionados à Terra às vezes são feitos ​​com indivíduos saudáveis ​​que ficam em repouso por semanas ou meses

Deficiência de luz solar

Nossa pele cria vitamina D quando é exposta à luz solar. Ela é necessária para manter ossos, dentes e músculos saudáveis.

Os astronautas não recebem quantidade suficiente de vitamina D durante as missões espaciais, pois são protegidos da exposição solar e são incapazes de obter o bastante dessa vitamina a partir do que comem.

Para estudar os efeitos da deficiência de luz solar, trabalhamos com equipes “hibernadas” no centro de pesquisa científica McMurdo na Antártida, onde o sol fica seis meses sem aparecer.

Antártida
Estudos feitos com equipes na Antártida têm ajudado a compreender os efeitos da deficiência de luz solar para os seres humanos

Nesse centro, conduzimos experimentos para identificar se tomar suplementos de vitamina D seria um substituto adequado para a luz solar.

O estudo inicial descobriu que pequenos suplementos ajudavam a aumentar os níveis de vitamina D, mas que uma dose maior não trazia muito benefício adicional.

Quando a Academia Nacional de Medicina dos EUA aumentou as exigências de vitamina D para os americanos, este estudo e muitos outros serviram como base para essa decisão.

Nós também descobrimos que a resposta aos suplementos foi afetada pelo peso corporal, ou Índice de Massa Corporal (IMC). Quanto maior o IMC, menos eficazes são os suplementos de vitamina D.

Isso faz sentido, porque a gordura prende a vitamina D e impede que ela permaneça no sangue.

Imagem mostra equipe do centro de pesquisa científica McMurdo, na Antártida
Experimentos buscam identificar se suplementos de vitamina D seriam substitutos adequados para a luz solar

Em nosso segundo estudo, analisamos a função e o estresse do sistema imunológico, que são preocupações tanto para os astronautas quanto para as tripulações que passam o inverno na Antártida.

Descobrimos que esses fatores pareciam interagir uns com os outros. As pessoas que apresentavam sinais químicos de estresse e tinham baixos níveis de vitamina D eram mais propensas a achar difícil bloquear vírus como o da herpes labial que estavam adormecidos em seus organismos.

O segredo para ossos fortes

A perda óssea tem sido uma das maiores preocupações dos viajantes espaciais. Os astronautas tendem a perder cerca de 1% de sua massa óssea ao mês – a quantidade que os portadores de osteoporose perdem em um ano.

A perda ocorre porque o corpo não coloca a gravidade sobre os ossos, e “decide” que você pode viver com um esqueleto menor. Em média, leva anos para a massa óssea se recuperar após uma missão.

Após anos de tentativa e erro, descobriu-se que várias mudanças específicas na dieta têm efeito positivo na saúde óssea.

Astronautas na expedição 50, uma expedição humana de longa duração na Estação Espacial Internacional
Astronautas fazem refeição durante expedição: Mudanças específicas na dieta têm efeito positivo na saúde óssea

Os astronautas que tiveram maior ingestão de peixes como salmão e cavala perderam menos osso em órbita. Também descobrimos que as dietas com mais frutas, legumes e verduras eram benéficas para a resistência óssea.

Por outro lado, grandes ingestões de ferro e sódio serviram para acelerar a perda óssea.

Evidências subsequentes mostraram que os astronautas que comiam bem tinham vitamina D suficiente e se exercitavam intensamente não sofriam perda óssea durante uma missão espacial de seis meses.

Esta foi a primeira vez em 50 anos de voo espacial humano que os tripulantes conseguiram manter sua densidade óssea com nada além de dieta e exercícios.

Essas descobertas também têm implicações diretas para literalmente todos na Terra, onde as mesmas mudanças na dieta podem ajudar a manter nossos ossos saudáveis.

Astronauta tentando comer cenouras enquanto flutuam no espaço
Astronauta e cenouras no espaço: Estudos sobre a nutrição podem fornecer a chave para missões mais longas e distantes

Preparando o caminho

Ao nos aproximarmos da sexta década da viagem espacial humana, estamos ainda no início das incursões da humanidade no espaço. Os riscos associados à saúde são significativos e a nutrição pode fornecer a chave para missões mais longas e distantes a outros planetas, como Marte.

Precisamos ousar e expandir nosso conhecimento de nutrição do século 21, unindo equipes médicas e científicas para possibilitar futuras explorações, beneficiando simultaneamente a humanidade.

Sobre este artigo

* Este artigo foi encomendado pela BBC a especialistas que trabalham para uma organização externa. O Dr. Scott M Smith e a Dra. Sara R Zwart estão à frente do Laboratório de Bioquímica Nutricional no Centro Espacial Johnson da Nasa em Houston, Texas. O Dr. Smith é palestrante na conferência Wellcome / OMS “Transforming Nutrition Science for Better Health” (Transformando a Ciência Nutricional para uma elhor Saúde, em tradução literal), que ocorre até o dia 17.

Fonte: BBC