Os primeiros heróis da Terra foram micróbios. Há 2,7 bilhões de anos, a atmosfera começou a acumular oxigênio produzido por cianobactérias que viviam nos oceanos e eram capazes de realizar fotossíntese. O oxigênio foi fundamental para a aparição de vida mais complexa, incluindo os primeiros animais, e hoje sustenta o tipo de metabolismo mais habitual no planeta.
Agora, um novo estudo sugere que em algumas zonas de Marte também pode haver oxigênio suficiente para manter alguns seres vivos terrestres. Vlada Stamenkovic, pesquisador da NASA, e seus colegas do Instituto Tecnológico da Califórnia desenvolveram um modelo que calcula a quantidade de oxigênio que poderia ser encontrada na dissolução nas águas salgadas que podem existir em algumas zonas do planeta. Os sais presentes nessas salmouras permitem que a água permaneça líquida a temperaturas abaixo de zero. Segundo o estudo, publicado nesta segunda-feira, 22, na revista Nature Geoscience, aproximadamente 6,5% da área do planeta seria capaz de abrigar quantidades de oxigênio na superfície ou a alguns centímetros abaixo dela, em quantidades semelhantes às que na Terra bastam para sustentar alguns micróbios e esponjas.
Estudos recentes mostram que os primeiros ancestrais dos animais atuais eram esponjas, e que esses seres vivos podem proliferar em concentrações de oxigênio baixíssimas. As zonas com possível oxigênio estão acima dos 50 graus de latitude, em torno dos polos marcianos. Entre as missões que esse estudo analisa, só uma explorou tais regiões: a missão Phoenix, que aterrissou sobre o que poderia ser gelo de água em 2008.
Naquele mesmo ano, descobriu-se em Marte um grande lago de água salgada oculto sob o gelo do polo sul. O novo estudo especula que a concentração de oxigênio em seu interior poderia ser “elevada” se houver um contato temporário com a superfície ou se houver radiação suficiente para que o oxigênio e o hidrogênio se separem. Os responsáveis pelo trabalho consideram que estes resultados teóricos podem explicar o estado de oxidação de algumas rochas marcianas e implicam “que há oportunidades para a vida baseada no oxigênio no Marte atual ou em outros corpos planetários graças a fontes de oxigênio alternativas à fotossíntese”.
Víctor Parro, pesquisador do Centro de Astrobiologia do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (CAB-CSIC), destaca que até agora a presença de oxigênio em Marte foi “menosprezada” devido às baixas concentrações. Embora se trate de um estudo teórico que ainda precisaria ser confirmado com medições reais, o cientista destaca que “esses modelos ressaltam o papel que o O2 (gás oxigênio) dissolvido pode desempenhar, inclusive atualmente, tanto para a respiração de micro-organismos como na oxidação de metais”.
“Os micro-organismos não necessitam do O2 para respirar”, explica, “mas o oxigênio molecular permite obter maior energia nos processos de respiração, e sua presença em Marte em concentrações adequadas aumenta as possibilidades de novos metabolismos e mais eficientes.”. Permitiria, por exemplo, “a existência de bactérias como as que se encontram no rio Tinto [Espanha], que oxidam o ferro da pirita para obter energia. E algo que abunda em Marte é o ferro”, destaca.
“Os autores escolhem o grupo de organismos terrestres que são capazes de viver com concentrações mais baixas de oxigênio dissolvido em água, que são basicamente certos tipos de bactérias e as esponjas, e concluem que as concentrações de oxigênio que calculam existir nas salmouras marcianas seriam suficientes para que esses organismos pudessem crescer em Marte hoje”, explica Alberto González Fairén, pesquisador do CAB e da Universidade Cornell. “Claro, é só uma comparação gráfica para ressaltar como é elevado o nível de oxigênio dissolvido nessas salmouras, e os autores não insinuam que possam existir esponjas em bolsões de líquido escondidos nos gelos de Marte. Os possíveis habitantes das salmouras não só dependeriam do oxigênio disponível para respirar: as temperaturas baixíssimas, a altíssima concentração salina e a radiação não permitem a existência de vida similar à terrestre perto da superfície de Marte atual”, acrescenta.
Outra das perguntas sem resposta nesse trabalho é se realmente há salmouras de água líquida na superfície de Marte, já que as provas acumuladas até agora não são concludentes.