Tudo começou em 1910, em uma sala de 35 m² no 3º andar da Universidade Columbia, em Nova York. O cafofo – até grande para os padrões de uma quitinete, mas minúsculo para os de um laboratório – era ocupado pelo biólogo Thomas Hunt Morgan, seus alunos e… moscas. Muitas e muitas moscas da espécie Drosophila melanogaster, armazenadas em garrafas de leite. Bananas maduras, quase podres, eram usadas às dezenas para atrai-las e alimentá-las. Quem visitou o local, nessa época, não esquece o cheiro.
Insalubridade à parte, Morgan estava entusiasmado. Após analisar milhares de moscas no microscópio, havia encontrado algumas com traços genéticos bastante peculiares, como olhos brancos, em vez de vermelhos. Cruzando moscas mutantes e normais – de maneira similar ao que Mendel, o fundador das teorias da hereditariedade, fez com ervilhas em 1865 –, descobriu que os olhos brancos eram um traço recessivo, e os vermelhos, um dominante. Depois, em uma série de experimentos cheios de sacadinhas matemáticas geniais, concluiu que o gene para a cor dos olhos estava localizado nos cromossomos X e Y, que determinam o sexo. Assim, ficou comprovado que os cromossomos eram como um colar, em que cada miçanga é um gene.
Foi uma revolução. Após décadas esquecidas na gaveta, as teorias do monge austríaco finalmente estavam sendo resgatadas e expandidas. A genética virou ciência pra valer, e ganhou um mascote de asas. O tempo passou e hoje sabemos que a tal mosquinha é muito mais útil como cobaia do Morgan jamais sonhou. 60% do seu genoma é idêntico ao nosso. 75% dos genes que causam doenças no ser humano têm equivalentes perfeitos no inseto. 50% de suas proteínas têm análogos nos mamíferos. Sem ela, não entenderíamos tão bem câncer, diabetes e doenças como as de Parkinson, Alzheimer e Huntington. Seis prêmios Nobel de Medicina ou Fisiologia (2017, 2011, 2004, 1995, 1946 e 1936) foram para pesquisas com a Drosophila melanogaster.
Graças a esse currículo razoável de bons serviços prestados à ciência, é natural – pelo menos na cabeça de um biólogo – que essas moscas fossem também as primeiras astronautas. No final da 2ª Guerra Mundial, tanto os EUA quanto a URSS acumulavam um estoque razoável de mísseis balísticos alemães V-2 capturados. O V-2 era essencialmente uma bomba gigante não tripulada, atrelada a um foguete. Entre 1944 e 1945, os nazistas os lançaram em cidades da Bélgica e da Inglaterra a partir do território alemão, matando civis dos países aliados sem colocar a vida de seus próprios pilotos em risco.
Esses mísseis eram capazes de alcançar altitudes absurdas. De fato, se fossem lançados com o intuito de atingir o espaço, em vez de uma cidade distante, ultrapassavam 100 quilômetros acima do nível do mar. Essa altitude, conhecida como linha Kármán, é dez vezes a alcançada por um avião de passageiros contemporâneo em altitude de cruzeiro, e marca oficialmente a fronteira entre a atmosfera terrestre e o espaço aberto. Na época, nem os americanos nem os soviéticos tinham uma tecnologia de propulsão tão eficiente. Por isso, os programas espaciais dos dois países reaproveitaram know how e equipamento nazista nos primeiros anos da Guerra Fria.
Em 20 de fevereiro de 1947, um V-2 modificado decolou de um campo de testes no deserto do Novo México. Alcançou 109 km de altitude em 3 minutos e 10 segundos. Ele carregava uma cápsula batizada de Blossom, cheia de mosquinhas. Após um breve período, a cápsula foi ejetada e voltou lentamente ao solo com o auxílio de um paraquedas. As pequenas cobaias foram resgatadas em segurança e levadas ao laboratório. A ideia era averiguar o efeito da exposição de um ser vivo desprotegido à radiação em grandes altitudes, onde a atmosfera já não fornece nenhuma proteção.
Veredicto? Os insetos voltaram muito bem e prontos pra outra. Só não arremataram o título de primeiros seres vivos terráqueos a sair do planeta porque, alguns meses antes, no final de 1946, esporos de fungo haviam sido lançados em outro V-2 – infelizmente, não foi possível resgatá-los.
Entender o que acontece com um organismo vivo no espaço era uma preocupação recente. Em 1926, Hermann J. Muller, um ex-estudante do laboratório de Morgan, havia descoberto que raios X eram capazes de induzir alterações genéticas nas moscas artificialmente (o que depois lhe renderia um Nobel de Medicina). Agora estava claro que os genes, as unidades fundamentais da hereditariedade, eram vulneráveis; profissionais como os operadores de raios X de hospitais estavam em risco. É curioso pensar que uma das imagens mais assustadoras do imaginário popular pós-Guerra Fria – a de radioatividade causando câncer e aberrações congênitas – fosse um mistério menos de um século atrás. Marie Curie morreu por causa dos efeitos da radiação sem reconhecer o perigo a que se submeteu durante toda a carreira.
As moscas americanas abriram caminho para todos os outros bichinhos que visitaram o céu depois: um quarteto de macacos carismáticos – todos chamados Albert, e numerados de 1 a 4 – subiram também a bordo de foguetes V-2 dos EUA entre 1948 e 1949. O mais célebre dos pets astronautas foi uma astronauta: Laika, a cadela russa que em 1957 se tornou o primeiro ser vivo a entrar em órbita. E em 1961, foi a vez da mais simpática de todas as cobaias: Ham, o chimpanzé, que você na foto abaixo.
Fonte: Superinteressante