Trinta anos atrás, temperaturas congelantes e as primeiras nevascas já eram registradas na montanha mais alta da Alemanha, a Zugspitze, no mês de setembro. Hoje, turistas vestindo shorts e camisetas ainda exploram uma paisagem pedregosa e sem neve nessa época.
Muita coisa mudou na montanha nas últimas três décadas, diz Toni Zwinger, de 33 anos, que cresceu na Zugspitze, no estado da Baviera, no sul da Alemanha. A família dele administra a Münchner Haus, uma pousada a 2.959 metros de altitude, pertinho do cume, desde 1925, quando somente alpinistas intrépidos conseguiam alcançá-la.
Quando menino, Zwinger brincava em volta das geleiras e viajava para o lado austríaco da montanha em busca de batata frita. Na época, ele conhecia quase todo mundo por lá, mas agora há muitas pessoas no cume – um fluxo constante de turistas e trabalhadores, conta, ainda usando um avental de brim azul logo após concluir mais um dia de tarefas.
Os glaciares da sua infância desapareceram. O Schneeferner do Norte encolheu para apenas 25% do volume que tinha em 1950. No Schneeferner do Sul, a situação é ainda pior: restam apenas 6% do antigo volume.
“Este ano foi o mais quente dos últimos 25 anos”, disse Zwinger à DW, sentado em uma sala da pousada, decorada com painéis de madeira e vigas. “Você pode ver pela geleira. Está diminuindo.”
Durante a noite, ele ouve as pedras do lado de fora se deslocando – algo que os cientistas que pesquisam as mudanças climáticas na Zugspitze e nas montanhas ao redor também observaram.
À medida que as temperaturas aumentam, o permafrost – uma camada de sedimentos, rocha ou solo que permanece congelada por mais de dois anos consecutivos e que estabiliza a rocha da montanha – também recua. Isso e o aumento das chuvas têm feito com que as rochas percam sua estabilidade, levando a mais de mil quedas de rochas nos Alpes no ano passado, aponta Michael Krautblatter, professor de pesquisa de deslizamentos da Universidade Técnica de Munique (TUM).
“As pessoas vêm aqui e esperam que eu lhes diga algo sobre o futuro”, disse Krautblatter em um hotel que virou estação de pesquisa ao lado da Zugspitze. “É só vir aqui e ver como o permafrost mudou nos últimos 20 anos. As mudanças climáticas já estão aqui.”
A vista de cima
Há mais de uma década, Krautblatter visita regularmente a estação Schneefernerhaus para estudar as mudanças no permafrost dos Alpes alemães, onde se encontra a Zugspitze.
Ele e uma pequena equipe de cientistas carregam equipamentos em um pequeno teleférico particular para uma breve pesquisa de campo na estação, a qual irá envolver a escalada de um dos lados da montanha para instalarem equipamentos de medição.
Parte do trabalho envolve colocar eletrodos dentro da rocha para medir a condutividade elétrica – onde ela não está mais congelada, a condutividade elétrica é boa, explica Krautblatter. Isso permite que os pesquisadores vejam como o “pedaço congelado da rocha” muda com o tempo.
Segundo o pesquisador, a Zugspitze registrou um aquecimento de cerca de 1 grau Celsius desde 1985. As temperaturas antes chegavam a -20 °C em janeiro, e agora atingem mínimas de apenas -10 °C ou -5 °C.
“Isso não é gelado o suficiente para que [o permafrost] se sustente durante o verão”, explica Krautblatter, que prevê que dentro de dez a 15 anos, não haverá mais permafrost.
Uma vertente de sua pesquisa analisa como isso provocará uma queda nos recursos hídricos. As previsões de sua equipe estão ajudando a região a se adaptar às mudanças e a melhorar os sistemas de alerta antecipado para deslizamentos de terra.
Uma série de cabanas alpinas já começou a ceder à medida que o solo sob elas se desloca, disse o pesquisador. Âncoras para teleféricos e outras infraestruturas também precisam ser estabilizadas. Por razões de segurança, algumas rotas tradicionais de escalada também foram fechadas.
“Acho que precisamos ser muito ágeis na compreensão desses sistemas de permafrost em mutação. Porque a única maneira de torná-lo seguro é entender onde as coisas acontecem e tentar evitar a presença de pessoas no local”, acrescentou Krautblatter.
A vista de baixo
A aldeia de Schwaigen-Grafenaschau fica a nordeste da Zugspitze. Os deslizamentos de terra sempre foram um problema para essa pequena comunidade de pouco mais de 600 pessoas, aninhada no sopé de uma pequena montanha. Mas eles estão se tornando mais frequentes, explica Hubert Mangold, o jovial e enérgico prefeito da cidade, vestindo shorts jeans e uma camisa quadriculada de manga curta.
Em 2016, depois de fortes chuvas, uma lenta corrente lamacenta de pedras e rochas arrasou uma área de 30 hectares, enterrando árvores de 40 metros de altura, disse Mangold, falando com um forte sotaque bávaro típico da região.
“Foi o maior deslizamento de lama na Alemanha. E ainda é”, disse ele, apontando para um ponto vazio no meio da encosta florestal.
Ninguém ficou ferido no desastre, mas o episódio trouxe prejuízos significativos para o serviço florestal da Baviera e outros negócios florestais privados que operam no local. Mangold disse que as ruas atingidas pelo deslizamento de terra também tiveram que ser reparadas. Para ele, não há dúvida de que isso tudo foi influenciado pelas mudanças climáticas.
“Está ligado às mudanças climáticas, não porque chove mais, mas porque chove mais num curto espaço de tempo”, afirmou, acrescentando que 80 litros de chuva em 30 minutos não é uma ocorrência incomum nos dias de hoje. “Não tínhamos essas quantidades antigamente.”
Pesquisadores do vizinho Instituto de Meteorologia e Pesquisa Climática, situado no popular destino alpino de férias de Garmisch-Partenkirchen, fizeram observações semelhantes.
“Tem havido uma grande influência sobre a neve”, disse Harald Kunstmann, professor da Universidade de Augsburg e vice-diretor do instituto. “Porque a precipitação que caía antes na forma de neve no inverno agora cai na forma de chuva. Isso significa que ela não fica no solo, mas flui diretamente no inverno, aumentando o risco de inundações.”
A longa visão do futuro
Kunstmann tem trabalhado com modelos de computador altamente detalhados para prever como a região alpina ficará em 2050 com as mudanças climáticas, em parte para ajudar as comunidades a se prepararem para o que está por vir. Até meados do século, a região deverá registrar um aumento de 20% nas precipitações.
Se o mundo continuar em seu curso atual e ultrapassar o limite de aquecimento de 2 °C acordado em Paris em 2015, isso significaria um aquecimento de 4 °C nas montanhas, afirmou Kunstmann. Historicamente, os Alpes têm se aquecido duas vezes mais rápido do que a média global. Há uma série de teorias sobre o porquê disso, mas o professor acredita que nenhuma explique suficientemente o fenômeno.
Mas se as previsões se concretizarem, uma coisa é certa: os Alpes ficarão muito diferentes no que diz respeito à neve, aos glaciares, às plantas, aos animais e à sua própria superfície rochosa. Resta saber se estabelecimentos comerciais, como a pousada administrada pela família de Zwinger há quase um século, sobreviverão pelos próximos 30 anos.
Fonte: Deutsche Welle