A China anunciou que chegou ao “lado escuro da Lua”. Uma sonda chinesa pousou com sucesso às 10h26 do horário de Pequim, ou pouco depois de meia-noite de Brasília, segundo informou a mídia estatal chinesa.
A sonda não tripulada Chang’e-4, uma espécie de “rover”, pousou na Bacia do Polo Sul-Aitken, como é conhecida uma enorme cratera que fica no lado oculto da Lua. A sonda carrega instrumentos consigo para analisar a geologia de uma região nunca explorada antes e conduzir experimentos biológicos.
As primeiras fotos da superfície foram enviadas pelo rover e compartilhadas pela mídia estatal. Sem comunicação direta possível, todas as fotos e informações tiveram que ser enviadas por meio de um outro satélite antes de chegarem à Terra.
O pouso está sendo visto como um marco na exploração espacial.
Mas o que é o ‘lado escuro da Lua’?
O “lado escuro” da Lua não tem nada a ver com “falta de luz” – os dois lados da Lua experimentam o dia e a noite. Na verdade, a expressão se refere ao lado da Lua que nunca foi visto da Terra.
Por causa de um fenômeno chamado “rotação sincronizada” nós só conseguimos ver uma face da Lua. Isso quer dizer que o tempo de rotação da Lua é igual ao seu período orbital. Ou seja, o tempo em que a Lua gira em torno de seu próprio eixo é igual ao tempo que ela leva para girar ao redor da Terra. Então essa sincronia entre rotação e translação faz com que só possamos observar um lado da Lua.
O outro lado da Lua tem uma crosta mais grossa, com mais crateras. Também há menos “mares” – planícies basálticas escuras formadas pelo impacto de meteoritos na superfície lunar.
E por que a China quis chegar lá?
Houve diversas missões à Lua nos últimos anos, mas a grande maioria foi em sua órbita. A última missão a pousar no satélite foi a Apollo 17 em 1972.
Missões prévias à Lua pousaram na parte visível para a Terra, mas essa é a primeira vez que uma sonda pousou na parte inexplorada e “escura”.
Ye Quanzhi, astrônomo do Instituto de Tecnologia da Califórnia, disse à BBC que essa foi a primeira vez que a China “tentou algo que outras potências espaciais nunca tinham tentado antes”.
O Chang’e-4 foi lançado do Centro de Lançamentos de Satélites de Xichang no dia 7 de dezembro. A sonda chegou à órbita lunar no dia 12 de dezembro com foco em explorar um lugar chamado Von Kármán, uma cratera localizada na Bacia do Polo Sul-Aitken. Acredita-se que a cratera tenha sido formada por um impacto gigante.
“A estrutura gigante tem mais de 2,5 mil km de diâmetro e 13 km de profundidade, uma das crateras de maior impacto no sistema solar e a maior, mais profunda e mais velha bacia da Lua”, afirma Andrew Coates, professor de física no Laboratório de Ciências Espaciais de Mullard, em Surrey, no Reino Unido.
O evento que formou a bacia é tido como um fenômeno que deve ter sido tão poderoso que atingiu e penetrou a crosta da Lua até a zona chamada de manto. Pesquisadores pretendem usar seus instrumentos nas pedras expostas nessa área.
A equipe também espera estudar partes de rocha derretida que pode ter preenchido a bacia, permitindo com que eles identifiquem variações em sua composição.
Um terceiro objetivo é estudar o chamado “regolito” desse “novo” lado da lua – rochas quebradas e poeira que ficam na superfície lunar – que nos ajudará a entender a formação da Lua.
O que mais poderemos aprender com essa missão?
O Chang’e-4 está carregando duas câmeras, um experimento alemão com radiação chamado LND e um espetrômetro que vai fazer observações astronômicas de baixas frequências.
Cientistas acreditam que o “lado escuro” pode ser um lugar excelente para praticar astronomia porque está protegido de ruídos da Terra. O espectrômetro vai mirar nessa ideia.
A sonda carrega um contêiner de 3 kg com sementes de batatas e Arabidopsis(planta da mesma família da mostarda e da couve) – além de ovos de bicho-da-seda para experimentos biológicos. O experimento da “mini biosfera lunar” foi criado por 28 universidades chinesas.
Outro equipamentos/experimentos incluem:
- Uma câmera panorâmica
- Um radar para espreitar a parte embaixo da superfície lunar
- Um espectrômetro de imagem para identificar minerais
- Um experimento para examinar a interação do vento solar (um fluxo de partículas energizadas do Sol) com a superfície lunar
A missão faz parte de um grande programa chinês de exploração lunar. A primeira e segunda missões Chang’e foram projetadas para reunir dados da órbita lunar, enquanto a terceira e quarta foram construída para operações na superfície.
Chang’e-5 e 6, atualmente em fase de desenvolvimento e previstas para 2024, colherão amostras de rochas e terra lunares para serem analisados em laboratórios na Terra.
Como que cientistas vão acompanhar a sonda?
Em um artigo na página da organização não governamental americana Planetary Society em setembro, Long Xiao, da Universidade de Geociências da China (Wuhan) afirmou: “O desafio da missão do outro lado da Lua é a comunicação. Sem visão da Terra, não há maneira de estabelecer ligação de rádio direta”.
Então o rover deve se comunicar com a Terra usando um satélite chamado Queqiao – ou Magpie Bridge – lançado da China em maio do ano passado.
O Queqiao orbita a 65 mil quilômetros de distância da Lua, ao redor de um Ponto de Lagrange – uma espécie de vaga gravitacional no espaço de onde ficará visível de estações na China e outros países como a Argentina.
Quais são os planos da China no espaço?
A China quer se tornar a líder em exploração especial, ao lado dos Estados Unidos e da Rússia.
Em 2017, ela anunciou que estava planejando mandar astronautas para a Lua.
Ela também vai começar a construir sua própria estação espacial no ano que vem, com a expectativa de que comece a operar em 2022.
O marketing dos avanços da China em seu programa espacial tem sido filtrado por uma gestão cuidadosa da mídia. Houve poucas notícias das tentativas de pouso do Chang’e-4 antes do anúncio oficial de que fora um sucesso.
Para o astrônomo Fred Watson, que promove iniciativas espaciais da Austrália, diz que o segredo pode ser simplesmente cautela, similar à demonstrada pela União Soviética no começo de sua competição com a Nasa.
“A Agência Espacial chinesa é jovem, mas talvez nos próximos anos ela chegue à altura das outras”, afirma.
Ye Quanzhi, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, diz que a China tentou ser mais aberta. “Eles mostraram por streaming, em tempo real, o lançamento do Chang’e-2 e 3, assim como o pouso do Chang’e-3. Habilidades de relações públicas levam tempo para se desenvolver, mas acho que a China vai chegar lá”, afirmou.
A China começou tarde na exploração espacial. Só em 2003 que o país mandou seu primeiro astronauta à órbita, o terceiro país a fazer isso, depois da União Soviética e dos Estados Unidos.
Chegar ao “lado escuro da Lua” já está sendo considerado por especialistas como “uma primeira vez para a humanidade” e “um feito impressionante”.
Fonte: BBC