O Brasil tem cerca de 7.500 quilômetros de litoral, entre praias, falésias, dunas, mangues, restingas e muitas outras formações. Mais da metade disso, no entanto, está sendo progressivamente destruída pela erosão ou pelo acúmulo de sedimentos, agravados pela ação humana.
Juntos, esses dois problemas – erosão e acúmulo – atingem hoje cerca de 60% do litoral brasileiro, segundo o livro Panorama da Erosão Costeira no Brasil, publicado em novembro pelo Programa de Geologia e Geofísica Marinha, que reúne 27 universidades e instituições de pesquisa, e divulgado pela Fapesp no mês passado.
Isso significa que hoje 4.500 km de litoral são afetados pela erosão. Isso é um aumento de 50% em relação à primeira edição do levantamento, em 2003, quando cerca de 3.000 km do litoral eram afetados.
As regiões mais atingidas são Norte e Nordeste, segundo o geógrafo Dieter Mueher, coordenador do levantamento e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Na verdade, o que piorou mais se deu no Ceará e em Pernambuco”, afirma.
Isso é bem visível em locais como Paracuru (CE) – na praia de mesmo nome, as raízes dos coqueiros foram expostas pela ação das ondas e as árvores correm o risco de cair. No município de Fortim (CE), a linha da costa recuou 300 m, e o avanço do mar destruiu estradas, casas e atracadouros.
Nas praias de Pilar e Forno da Cal, em Itamaracá (PE), a erosão diminuiu a faixa de areia e já expôs as rochas sob a praia. No Recife, a praia de Boa Viagem sofre com o problema há décadas, e no município próximo de Paulista dezenas de famílias já perderam casas e comércios.
Embora concentrado nas regiões Norte e Nordeste, o efeito dramático da erosão é visível no Brasil todo. O problema altera a linha da costa e gera danos econômicos e sociais. Se a erosão for muito grande, a água do mar pode acabar entrando pelos estuários e contaminando o lençol freático, fazendo com que ele se salinize. As mudanças também afetam a vida marinha e de animais como pássaros e tartarugas.
Em São João da Barra (RJ), a erosão destruiu trechos da estrada de ligação entre o Farol de São Thomé e a Praia do Açu, que também teve várias casas e comércios próximos à linha da costa destruídos. O mesmo acontece em Ilha Comprida (SP), onde casas e árvores são derrubadas pelo efeito da erosão e onde, em alguns pontos, a linha da praia recuou até 100 metros.
Em Matinhos (PR), o problema aflige a Praia Brava de Caiobá desde os anos 1970 e nenhuma das obras feitas desde então conseguiu resolvê-lo – pelo contrário, acabaram agravando a situação, com barreiras sendo derrubadas e a praia, deformada.
Ação humana
A erosão é um fenômeno natural, mas que é intensamente agravado pela ação humana, diz Mueher, da Ufes.
O oceanógrafo Michel Mahiques, pesquisador do Instituto de Oceanografia da USP, explica que o processo de variação da linha da costa é algo que normalmente acontece ao longo de milhares de anos, não com a rapidez que se observa atualmente.
“A variação se dá em uma escala de tempo geológica. Quando o clima da Terra varia, o nível do mar sobe, o nível do mar desce”, afirma. “Quando o homem atua como um agente que aumenta a temperatura do planeta, ele está acelerando um processo natural.”
Mas o aquecimento global não é o único fator, segundo os pesquisadores: em escala local, a ocupação da praia e as obras costeiras têm um papel muito maior na deformação da paisagem. “O que afeta mais é a interferência local na paisagem, a ocupação cada vez maior da faixa costeira”, diz Mueher.
“As obras costeiras que o homem faz bloqueiam o transporte de sedimentos (pelo vento, pela maré, pelas correntes, por rios) que formam a praia, causando déficit de um lado e a acumulação de outro”, explica Michel Mahiques. “O mesmo efeito acontece quando você constrói uma estrada muito perto da costa, quando faz um píer na praia, quando altera a desembocadura de um rio”
“Para o gestor público, o prefeito, empreiteiro, é muito mais fácil culpar o aquecimento global e fingir que suas obras não têm impacto nenhum”, afirma Mahiques. “Afinal, o aquecimento global não tem CNPJ. Mas não podemos ter uma postura fatalista. O que os estudos (reunidos no livro) mostram é que é dá para relacionar diretamente a deformação do litoral com a ocupação da linha da costa.”
Os primeiros sinais registrados de erosão costeira em Pernambuco, por exemplo, são do início do século 20, quando a ampliação do porto do Recife afetou a orla de Olinda.
Muitas vezes, as próprias obras feitas para tentar conter a erosão em orlas urbanizadas são mal projetadas e acabam provocando deformação em outras áreas. “Fica tudo na mão do município, onde geralmente as prefeituras não têm condições, dinheiro e equipe técnica qualificada”, diz Mueher, da Ufes.
Foi o que aconteceu em São Vicente, no litoral de SP, segundo Michel Mahiques, da USP. “Eles começaram fazendo uma série de obras de contenção, mas não houve uma avaliação correta do impacto e foram obrigados a fazer cada vez mais.”
O acúmulo de areia também pode gerar danos. Em Iguape, no sul do Estado de São Paulo, foi aberto um canal chamado Valo Grande, que desvio o curso de um rio. “O sedimento do rio foi parar na cidade de Iguape e assoreou o porto”, explica o oceanógrafo.
O que pode ser feito
Como o que mais causa deformação nas praias é a ocupação e a construção de estruturas na orla, a solução mais efetiva para o problema, segundo os pesquisadores, é interferir o mínimo possível na paisagem, ou seja, evitar ao máximo a ocupação das áreas próximas à praia.
“É preciso criar uma zona de recuo para garantir a não erosão”, explica o professor Miguel Mahiques. “É preciso manter uma distância da linha da costa. Mas muitas vezes isso é feito de maneira errada. Em áreas que têm dunas, tem gente que retira as dunas. Não é pra retirar, elas são uma proteção.”
“Nas áreas urbanizadas em que o dano é irreversível, o que se faz são medidas mitigadoras, como procurar areia para alimentar a praia.”
Segundo os analistas, é preciso uma mudança de cultura e mais consciência ambiental inclusive dos proprietários. “Todo mundo quer ter o pé na areia, e casas e hotéis são construídos muito próximos ao mar. Isso é uma garantia de 100% de ter problema daqui a 10, 20 anos”, diz Mahiques.
Fonte: BBC