Chamava-se George, tinha aproximadamente 14 anos e morreu no dia de Ano Novo de 2019, após uma longa e boa vida para um caracol de sua classe. Era o último exemplar conhecido da Achatinella apexfulva, e por isso os especialistas consideram que sua espécie morreu com ele. A Divisão de Silvicultura e Vida Silvestre do Havaí (Estados Unidos) informou sobre a morte do molusco em 3 de janeiro passado, através de sua conta do Facebook e de um comunicado intitulado RIP George. A Achatinella apexfulva é a primeira espécie extinta conhecida do ano. Seu desaparecimento, segundo o The New York Times, simboliza a drástica redução da população de caracóis terrestres, outrora fantasticamente diversos no Havaí, assim como a rápida extinção de espécies no mundo inteiro.
Os cientistas estimam que dezenas de espécies são extintas todos os dias, mas poucas receberam tanta atenção da imprensa. O motivo é que George tinha um nome, disse ao EL PAÍS Michael G. Hadfield, fundador do programa voltado à proteção dos caracóis no Havaí. O gastrópode foi batizado de George em homenagem ao Solitário George, uma das tartarugas mais queridas das Ilhas Galápagos e cuja morte, em 2012, também deu fim à sua espécie. “Embora fossem de linhagens evolutivas muito diferentes, ambos os Georges viveram vidas simples no cativeiro. Silenciosamente, levaram milhões de anos de evolução e seu genoma completo ao esquecimento”, lamenta a Divisão de Silvicultura.
Os caracóis eram especialmente abundantes no Havaí. Documentos do século XIX mostram que num só dia era possível colher até 10.000 exemplares. “Mais de 750 espécies de caracóis terrestres foram descritas nas ilhas, num dos exemplos mais impressionantes de radiação adaptativa de espécies do mundo. Infelizmente, estima-se que mais de 90% dessa diversidade foi perdida”, afirma o site do programa contra a extinção dos Kāhuli (caracóis).
Com suas belas conchas, os caracóis das árvores do Havaí são considerados “joias da floresta”. O folclore havaiano diz que eles podem cantar. “Muitas das espécies de caracóis terrestres que restam na ilha enfrentam uma extinção iminente”, adverte o programa. Suas principais ameaças são as espécies invasoras e os efeitos da mudança climática.
Segundo informa a Divisão de Silvicultura no comunicado, a Achatinella apexfulva foi justamente a primeira entre mais de 750 espécies endêmicas de caracóis catalogados pelos cientistas. A primeira menção foi feita em 1787, quando o Capitão George Dixon atracou na ilha de O’ahu, no Havaí, e recebeu uma concha num lei – uma guirlanda ou coroa. Esses caracóis eram comuns nas montanhas Ko’olau de O’ahu, a ilha mais populosa do arquipélago, e usados para as guirlandas por sua beleza. Foram chamados de apex fulva (ponta amarela) porque esse era um traço comum da espécie.
Caracóis como George cumpriam uma função vital em seu ecossistema, pois se alimentavam de fungos que cresciam nas árvores. Isso ajudava a evitar doenças na flora da região, afirma a National Geographic.
Numa tentativa desesperada de salvar a espécie, em 1997 os cientistas levaram os últimos 10 Achatinella apexfulva que restavam a um laboratório da Universidade do Havaí. O objetivo era que procriassem em cativeiro. De fato cerca de 20 caracóis nasceram, mas uma doença desconhecida matou-os um a um. Apenas George sobreviveu.
O valioso exemplar vivia sozinho num terrário na sede central do programa de prevenção da extinção de caracóis em Honolulu. O biólogo David Sischo, diretor do programa de invertebrados do Havaí, conta que George era “um caracol tímido”. Tanto que só o viu pela primeira vez fora de sua concha quando fez 10 anos. “George amadureceu sozinho numa jaula. E embora o chamássemos de ‘ele’, era hermafrodita. Infelizmente, a Achatinella apexfulva precisa de um companheiro para se reproduzir”, explica a Divisão de Silvicultura.
Em 2017, os cientistas colheram uma pequena amostra do pé de George, e o tecido continua vivo e congelado num contêiner do zoológico de San Diego (EUA). “Hoje não é possível clonar um caracol, mas um dia será. George ainda pode viver outra vez!”, exclama a Divisão. O molusco apareceu em várias reportagens, e centenas de estudantes o visitaram na faculdade ao longo dos últimos anos. Por isso, sua perda significa muito para os havaianos.
Fonte: El País