O rompimento de barragem da mina de ferro Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG), deixou pelo menos sete mortos, vários feridos e cerca de 150 pessoas desaparecidas nesta sexta-feira, após uma avalanche de lama de rejeitos de mineração atingir parte da comunidade da Vila Ferteco e a área administrativa da própria companhia na região.
De acordo com o governo de Minas Gerais, nove pessoas foram retiradas com vida da lama e cerca de 100 pessoas ilhadas foram resgatadas com ajuda de helicópteros.
Segundo dados da Vale repassados ao governo mineiro, havia 427 pessoas no local, sendo que 279 foram resgatadas vivas. A nota do governo diz que, no início da noite, 150 pessoas com algum vínculo com a empresa estavam desaparecidas —anteriormente, os bombeiros falaram em cerca de 200.
“No momento, a grande medida é ver sobreviventes, e informar às famílias dos atingidos”, disse o governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
Cerca de 100 bombeiros trabalharam no resgate de vítimas durante o dia, contingente que será dobrado a partir desta madrugada, disse o governo mineiro sobre as atividades de socorro, que também contam com o apoio de dezenas de helicópteros.
Um campo de futebol está sendo utilizado como área de avaliação e triagem das vítimas para atendimento médico.
“Estamos falando de uma quantidade provável grande de vitimas, não sabemos quantas são, mas sabemos que será um número grande”, disse o presidente da Vale, Fabio Schvartsman. Ele afirmou no início da noite que a companhia conseguiu contatar cerca de 100 funcionários próprios ou terceirizados que foram atingidos pelo desabamento.
A barragem estava em processo de descomissionamento e já não vinha recebendo rejeitos de mineração nos últimos tempos, segundo Schvartsman.
O executivo, que disse estar “dilacerado” pelo acidente, acrescentou que a companhia foi surpreendida com a tragédia, uma vez que testes recentes na barragem demonstraram normalidade da estrutura. A tragédia ocorreu mais de três anos depois da barragem Fundão, da Samarco, joint venture da Vale e da BHP Billiton, ter se rompido em Mariana (MG), matando 19 pessoas e causando o pior desastre ambiental do Brasil.
Segundo informações da Vale, o Complexo de Paraopeba, onde está a mina de Feijão, produziu em 2017 cerca de 26 milhões de toneladas de minério ferro, representando 7 por cento da produção da Vale naquele ano. Além de Feijão, o complexo tem outras três minas, uma jazida e duas usinas de beneficiamento.
Schvartsman disse que uma única barragem do complexo se rompeu. Segundo ele, “uma segunda barragem transbordou, porque parte do vazamento se dirigiu a essa segunda barragem e houve um transbordamento, mas ela não rompeu”. O Ministério de Meio Ambiente, porém, afirmou mais cedo que três barragens do complexo se romperam.
Comparando com o rompimento de barragem de Fundão, o presidente da Vale disse que “possivelmente o dano ambiental dessa vez será menor”.
“Como era uma barragem inativa, o material dentro da barragem já era razoavelmente seco e consequentemente não tem esse poder de se deslocar por longas regiões. A parte ambiental deve ser muito menor e a tragédia humana terrível.”
Segundo a Vale, a barragem em Brumadinho continha 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, ante 50 milhões que estavam depositados na barragem de Mariana, de acordo com o Ibama.
As ações da mineradora listadas na bolsa de Nova York fecharam em queda de 8 por cento nesta sexta-feira. No Brasil, a bolsa de valores não operou nesta sexta-feira em função de feriado municipal em São Paulo.
LAMA
Imagens aéreas enviadas pelo Corpo de Bombeiros mostraram lama espalhada por uma grande área em meio à vegetação. A altura da lama chegava ao telhado de casas e outras construções.
A Prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha a distância do leito do Rio Paraopeba, um importante afluente do rio São Francisco e um dos que abastecem a região da Grande Belo Horizonte com água.
Apesar do desastre, a companhia estadual de água e saneamento de Minas Gerais, Copasa, afirmou que o abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte “não será prejudicado” com o rompimento da barragem da Vale.
A empresa informou ainda que o abastecimento da região atendida pelo sistema formado pelo rio Paraopeba “passará a ser realizado pelas represas do Rio Manso, Serra Azul, Várzea das Flores e pela captação a fio d’água do Rio das Velhas”.
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a lama deverá se acumular na hidrelétrica Retiro Baixo, a 220 quilômetros do local do rompimento, “e possibilitará amortecimento da onda de rejeito. Estima-se que essa onda atingirá a usina em cerca de dois dias”.
O Instituto Inhotim, um dos maiores centros de arte ao ar livre da América Latina e localizado em Brumadinho, foi esvaziado por segurança por causa do rompimento, informou a entidade.
O presidente Jair Bolsonaro, que deverá visitar a área atingida pelo rompimento no sábado, lamentou o ocorrido.
“Determinei o deslocamento dos ministros do Desenvolvimento Regional e Minas e Energia, bem como nosso Secretario Nacional de Defesa Civil para a região”, afirmou ele, acrescentando que o ministro de Meio Ambiente também foi para o local.
Bolsonaro foi informado sobre o desastre quando estava em reunião com o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, disse uma fonte do Palácio do Planalto.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
O novo rompimento de uma barragem em Minas Gerais reacende questões sobre a segurança de tais estruturas.
Segundo relatório da Agência Nacional de Águas divulgado no final do ano passado, o número de barragens apontadas como mais vulneráveis subiu de 25 em 2016 para 45 em 2017. No relatório, aparecem uma série de barragens em Brumadinho, incluindo da Vale, com riscos de danos potenciais associados classificados como “alto”.
Conforme o relatório, a maioria dos casos citados apresenta problemas de baixo nível de conservação. Das 45 barragens, 25 pertencem a órgãos e entidades públicas.
“Esse novo acidente mostra que o governo não pode colocar a questão ambiental em segundo plano, como vinha se pretendendo”, afirmou a advogada Letícia Yumi Marques, consultora de Direito Ambiental do Peixoto & Cury Advogados.
Publicamente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já afirmou que o governo estuda acelerar e simplificar o modelo de licenciamento ambiental. Para Letícia, o rompimento da barragem deve dificultar esse afrouxamento, uma vez que a tragédia em Brumadinho, ocorrida poucos anos após o desastre em Mariana, ressalta fragilidades que não foram sanadas mesmo considerando o atual arcabouço regulatório.
Uma eventual flexibilização rumo ao modelo de licenciamento tácito — em que os empreendimentos ganham sinal verde caso os órgãos ambientais não emitam a licença num determinado prazo — poderia ser ainda mais arriscado, pois implica maior insegurança jurídica e ambiental, defendeu a advogada.
“Um acidente no mesmo Estado, nas mesmas circunstâncias, a gente está mostrando que não aprendeu a lição”, disse Letícia, para quem a reparação integral do meio ambiente poderá ser exigida de quem obteve lucro com a atividade exercida em Brumadinho, independentemente das causas do acidente apontarem para omissão do Estado ou falha do empreendedor.
Fonte: Reuters