Um dos piores desastres ambientais da história dos Estados Unidos, o vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010, já custou à petroleira britânica BP, principal empresa envolvida, mais de US$ 65 bilhões (R$ 238,5 bilhões) – e a conta continua a aumentar.
Após o acidente, a empresa teve sua avaliação rebaixada por agências de risco, viu suas ações despencarem e teve de vender bilhões de dólares em ativos. No auge da crise, sua sobrevivência chegou a ser colocada em dúvida.
Quase nove anos depois, a BP ainda está se recuperando. Procurada pela BBC News Brasil, a empresa disse por meio da assessoria de imprensa que não iria se pronunciar.
Além do impacto financeiro, o desastre levou a mudanças não apenas nas operações da BP, mas na indústria de petróleo e gás como um todo.
“A indústria está mais segura hoje, porque o governo implementou certas exigências para melhorar o processo de segurança”, disse à BBC News Brasil o professor de ciências marinhas Donald Boesch, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Boesch foi um dos sete integrantes de uma comissão independente criada pelo então presidente Barack Obama para investigar as causas do acidente e recomendar reformas.
BP foi alvo de múltiplos processos judiciais
O vazamento começou em 20 de abril de 2010, quando a plataforma Deepwater Horizon, que era propriedade da empresa suíça Transocean e operada pela BP, explodiu e afundou, matando 11 funcionários.
A explosão danificou o poço de Macondo, a cerca de 1,5 mil metros de profundidade, e durante os meses seguintes quase 5 milhões de barris de petróleo foram despejados no oceano, no que é considerado o maior vazamento acidental de petróleo da história – o maior vazamento intencional foi registrado durante a invasão iraquiana do Kuwait, quando soldados do Iraque lançaram mais de 6 milhões de barris ao mar.
Cinco Estados (Flórida, Alabama, Mississippi, Louisiana e Texas) foram atingidos pela mancha de petróleo, que encobriu aves marinhas, danificou praias e provocou enormes perdas para as indústrias de pesca e turismo.
A BP foi alvo de múltiplos processos judiciais, vários deles movidos pelo governo, tanto por violações criminais quanto por violações a regulações civis, como a Lei de Águas Limpas. Em um acordo considerado o maior do tipo na história americana, a BP concordou em pagar cerca de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 73 bilhões) ao governo federal e aos cinco Estados afetados pela catástrofe ambiental.
A empresa também teve de pagar bilhões em compensação a vítimas, famílias, indivíduos e negócios afetados, custos de limpeza, reparação pelos danos ambientais, multas e outras indenizações.
O cálculo final, de mais de US$ 65 bilhões, não inclui perda de receita e os danos à reputação da empresa – e o custo ainda pode aumentar, já que alguns dos milhares de processos judiciais movidos por indivíduos e pequenos negócios prejudicados pelo desastre ainda estão em aberto.
Apesar da severidade da punição financeira, ninguém está preso, e nenhum dos altos executivos da empresa foi responsabilizado. Um inquérito do Departamento de Justiça resultou em acusações criminais contra quatro funcionários.
Dois supervisores que estavam na plataforma foram acusados de não conduzir adequadamente os testes de pressão necessários. Um deles foi absolvido, e o outro, sentenciado a 10 meses de liberdade condicional.
Um ex-vice-presidente da empresa, acusado de mentir para agentes federais sobre a quantidade de petróleo derramado, também foi absolvido. Um engenheiro acusado de deletar mensagens de texto recebeu 6 meses de liberdade condicional.
Como a situação nos EUA se compara à do Brasil?
Ao comparar as consequências enfrentadas pela BP com a situação da Vale após o rompimento da barragem de Brumadinho, três anos depois do desastre de Mariana, o especialista em direito penal ambiental Luiz Carlos Vasconcellos, do escritório Tabet Advogados, observa que, nos Estados Unidos, a pessoa jurídica responde criminalmente por qualquer crime cometido por um representante da empresa no exercício de suas funções.
“Nos Estados Unidos, quando uma pessoa comete um delito em razão do seu ofício, mesmo que seja culposo – que no sentido penal é por negligência, imperícia ou imprudência -, sua empresa responde criminalmente”, disse Vasconcellos à BBC News Brasil.
“No Brasil, a empresa só responde por crimes ambientais. E mesmo assim, somente se o dano foi causado por uma decisão de um dirigente ou do corpo de dirigentes em interesse ou em favor da empresa. Quando foi uma negligência, ou algo assim, a empresa criminalmente não entra.”
No caso de responsabilidade civil, as empresas respondem nos dois países. Mas Vasconcellos salienta que nos Estados Unidos esse processo é fragmentado, com ações separadas por infrações a cada lei. “No Brasil seria global, pega tudo e negocia de uma vez só.”
Vasconcellos também destaca que, enquanto a maioria das pendências judiciais do caso da BP já foram resolvidas, menos de nove anos depois do acidente, no Brasil isso levaria muito mais tempo. Segundo o especialista, como nos Estados Unidos há a fase de “plea bargain”, a possibilidade de acordo para evitar processo judicial, e como as custas do processo são altas, muitos acabam fazendo acordo, e a resposta é mais rápida.
Para Vasconcellos, Brasil e Estados Unidos estão quase no mesmo nível em termos de proteção ambiental. Ambos têm agências ambientais e política nacional de meio ambiente. O advogado considera a lei ambiental brasileira até mais completa que a americana. “O que falta é a efetividade.”
Desastre nos EUA levou a mudanças nas práticas da indústria de petróleo
O desastre americano desencadeou várias investigações. No caso específico do acidente, entre outras causas estavam falhas em usar ferramentas para testar pressão e contenção no poço, e falha em responder a indícios de problemas.
Apesar de a indústria insistir inicialmente que a explosão havia sido um incidente isolado, constatou-se que equipamentos defeituosos e desprezo por protocolos de segurança eram mais comuns do que as empresas admitiam, e eram necessárias reformas amplas no setor para evitar novos desastres.
Em janeiro de 2011, após seis meses de investigação, a comissão integrada por Boesch concluiu que a explosão foi resultado de “uma série de erros cometidos pela BP, pela Halliburton (empresa subcontratada para cimentar o poço) e pela Transocean”.
O relatório dizia que, “intencionalmente ou não”, muitas decisões da BP e das outras envolvidas que aumentaram os riscos de explosão resultaram em economia de tempo e dinheiro para essas empresas.
Segundo o documento, o desastre revelou “falhas sistêmicas em gerenciamento de riscos” que colocavam em dúvida “a cultura de segurança de toda a indústria”. Além de reformas significativas nas práticas da indústria, também eram necessárias mudanças nas políticas governamentais, já que havia problemas na fiscalização.
Boesch diz que a BP cooperou com as investigações e que as empresas do setor trabalharam juntas para melhorar a segurança. Uma das recomendações da comissão foi que o governo exigisse que a indústria desenvolvesse a capacidade de conter explosões do tipo em águas profundas. Também passou a ser exigida uma análise mais integrada dos riscos.
“É impossível se proteger contra certas eventualidades. Mas as chances de algo assim acontecer novamente, um desastre que se estendeu por meses, em que não conseguiam vedar o poço danificado, foram reduzidas”, afirma.
Medidas recentes do governo dos EUA enfraqueceram regras de segurança
Apesar dos avanços, Boesch diz que há preocupação com recentes medidas adotadas pelo governo para enfraquecer regulamentações de segurança adotadas após o desastre.
Desde que tomou posse, em 2017, o presidente Donald Trump vem cumprindo a promessa de relaxar restrições a empresas e incentivar a produção doméstica de energia. O governo também pretende ampliar a extensão de águas territoriais abertas a exploração de petróleo e gás, inclusive no Ártico.
Governo e indústria dizem que as regras impostas na administração anterior criaram custos desnecessários para as empresas e insistem que o afrouxamento não vai reduzir a segurança. Com novas medidas, as empresas ganham mais autonomia para regular suas operações de exploração offshore.
Entre as mudanças estão o fim das exigências de que medidas de segurança e equipamentos usados em plataformas sejam submetidos a verificação independente e de que as empresas projetem seus equipamentos para funcionar nos cenários “mais extremos” de clima, temperatura ou pressão.
Boesch lembra que, após o desastre, algumas novas regras foram adotadas imediatamente ou logo em seguida, mas outras exigiam um longo processo, envolvendo período de consultas com a indústria, prazos para consultas públicas e outras etapas, que em alguns casos levam anos.
“Por um lado, quando implementamos regulamentações e tentamos aplicá-las, vamos descobrir que algumas não funcionam, ou poderiam ser melhores. Sempre há espaço para revisá-las. Mas, neste caso, algumas regras mal haviam sido implementadas”, salienta.
Fonte: BBC