Infestação de escorpiões no Brasil pode ser imparável, diz pesquisador

Escorpião amarelo venenoso (Tityus serrulatus) (Foto: Flickr/José Roberto Peruca/Creative Commons)
ESCORPIÃO AMARELO VENENOSO (TITYUS SERRULATUS) (FOTO: FLICKR/JOSÉ ROBERTO PERUCA/CREATIVE COMMONS)

Moro em São Paulo, a maior cidade do Brasil, que abriga cerca de 12 milhões de pessoas – 20 milhões se você contar os arredores, que estão espalhados há três décadas.

Isso faz com que seja um bom lugar para observar o fenômeno que eu pesquiso: problemas sociais complexos. Na vida acadêmica, esse conceito refere-se a problemas como corrupção, crime e trânsito – problemas que, na prática, não podem ser resolvidos. Eles devem ser simplesmente mitigados ou gerenciados.

São Paulo é uma cidade densa, com escassos espaços verdes e pouca ou nenhuma vida animal – sem esquilos, sem guaxinins, nem mesmo muitos pássaros. Então fiquei surpreso quando, em janeiro, soube que os escorpiões haviam infestado meu bairro.

Acontece que pessoas do outro lado da cidade e do estado de São Paulo estavam tendo o mesmo problema com esses perigosos e venenosos insetos. Em todo o estado, picadas de escorpião triplicaram nas últimas duas décadas.

Quatro tipos de escorpião vivem em todo o Brasil, mas historicamente apenas em áreas rurais. Os moradores de São Paulo são urbanos. Nós conquistamos a natureza – ou assim pensamos.

Escorpiões urbanos do Brasil
A infestação de escorpião no Brasil é o exemplo perfeito de como a vida moderna se tornou imprevisível. É uma característica do que nós, no complexo campo de problemas, chamamos de um mundo “VUCA” (na sigla em inglês) – um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo.

Cerca de 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo, do México à Rússia, vivem com escorpiões, que geralmente preferem habitats quentes e secos.

Mas as cidades brasileiras também fornecem um excelente habitat para os escorpiões, dizem os especialistas. Elas oferecem abrigo em redes de esgoto, muita água e comida no lixo que não é recolhido, e não há predadores naturais.

Escorpiões, como as baratas que eles comem, são uma espécie incrivelmente adaptável. Como o clima no Brasil fica mais quente devido às mudanças climáticas, os escorpiões estão se espalhando por todo o país – inclusive nos estados sulistas mais frios que raramente, ou nunca, tiveram relatos de escorpiões antes deste milênio.

O número de pessoas picadas por escorpiões em todo o Brasil aumentou de 12 mil em 2000 para 140 mil no ano passado, de acordo com o Ministério da Saúde.

A maioria das picadas de escorpião é extremamente dolorosa, mas não fatal. Para as crianças, no entanto, elas são perigosas e requerem atenção médica urgente. Oitenta e oito pessoas morreram de feridas em 2017, segundo o jornal O Globo, destacando a falta de atendimento médico adequado disponível em pequenas cidades. Muitos dos mortos são crianças.

Em Americana, uma cidade com cerca de 200 mil habitantes no estado de São Paulo, equipes que realizam buscas noturnas por escorpiões capturaram mais de 13 mil no ano passado – isso é o equivalente a um escorpião para cada 15 pessoas.

Pior ainda, a espécie que aterroriza os brasileiros é o perigoso escorpião amarelo, ou Tityus serrulatus. Ele se reproduz por meio do milagre da partenogênese, significando que um escorpião feminino simplesmente gera cópias de si mesma duas vezes por ano – nenhuma participação masculina é necessária.

Cada instância da reprodução partenogenética pode gerar 20 a 30 filhotes de escorpião. Embora a maioria morra em seus primeiros dias e semanas de vida, livrar as cidades brasileiras de escorpiões seria uma tarefa hercúlea, se não totalmente impossível.

Dois escorpiões amarelos venenosos (Tityus serrulatus) (Foto: Flickr/Luiz Carlos Rocha/Creative Commons)
DOIS ESCORPIÕES AMARELOS VENENOSOS (TITYUS SERRULATUS) (FOTO: FLICKR/LUIZ CARLOS ROCHA/CREATIVE COMMONS)

Problemas ruins em um mundo louco
A infestação do escorpião urbano no Brasil é um clássico “problema perverso”.

Este termo, usado pela primeira vez em 1973 pelos teóricos do design Horst Rittel e Melvin Webber, refere-se a enormes problemas sociais ou culturais como pobreza e guerra – sem solução simples ou definitiva, e que surgem na interseção de outros problemas.

Problemas perversos são um sintoma de vários outros problemas relacionados, tanto naturais quanto feitos pelo homem. Nesse caso, a infestação do escorpião urbano no Brasil é o resultado de uma gestão inadequada do lixo, saneamento inadequado, urbanização rápida e mudanças climáticas.

É provável que seja tarde demais para impedir a disseminação de escorpiões nas cidades brasileiras.

Em um mundo VUCA, minha pesquisa acadêmica e outros estudos de solução mostram que problemas perversos devem ser identificados e confrontados o mais rápido possível, usando uma série de respostas.

No VUCA, quanto mais recursos você der para os problemas, melhor. Isso pode significar tudo, desde campanhas de conscientização pública que educam brasileiros sobre escorpiões até forças-tarefa exterminadoras que trabalham para controlar sua população em áreas urbanas. Os cientistas devem estar envolvidos. O sistema nacional de saúde pública do Brasil precisará se adaptar a essa nova ameaça.

O governo do Brasil parece estar mal equipado para enfrentar a infestação de escorpiões.

Apesar da obstinada cobertura da imprensa, as autoridades federais de saúde mal falaram publicamente sobre o problema do escorpião urbano no Brasil. E, além de alguns esforços mornos em nível nacional e estadual para treinar profissionais de saúde sobre o risco de escorpião, as autoridades parecem não ter nenhum plano para combater a infestação no nível epidêmico para o qual ela está se dirigindo.

Também não é provável que as cidades vejam dinheiro federal dedicado a combater essa infestação de escorpiões: o Brasil está em profunda recessão desde 2015, e os orçamentos da saúde pública foram reduzidos.

Temo que os escorpiões amarelos venenosos tenham reivindicado seu lugar ao lado de crimes violentos, tráfico brutal e outros problemas crônicos com os quais os urbanitas no Brasil precisam lidar diariamente.

* Hamilton Coimbra Carvalho é pesquisador em Problemas Sociais Complexos, na Universidade de São Paulo (USP). Este artigo foi escrito em inglês e originalmente publicado no The Conversation

Fonte: Revista Galileu