Polvos e lulas parecem seres de outro planeta, não é mesmo? E bem que poderiam ser.
Um estudo internacional descobriu que os cefalópodes evoluem de maneira diferente de quase todos os outros organismos do planeta.
A equipe – formada por cientistas da Universidade de Tel Aviv (Israel), Universidade Bar-Ilan (Israel), Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), Instituto de Tecnologia de Israel, Laboratório de Biologia Marinha dos EUA e Universidade de Porto Rico – mostrou que os polvos, juntamente com algumas espécies de lulas e chocos, editam rotineiramente sequências de seu RNA (ácido ribonucleico) para se adaptarem ao seu ambiente.
Isso é simplesmente raríssimo em animais multicelulares. Quando um organismo se adapta ou muda de alguma maneira fundamental, ele normalmente começa com uma mutação genética, ou seja, uma mudança no DNA.
Entenda
Mudanças genéticas são traduzidas em ação pelo RNA molecular do DNA. Você pode pensar nas instruções do DNA como uma receita, enquanto o RNA é o chef que orquestra a cozinha de cada célula, produzindo as proteínas necessárias para manter todo o organismo funcionando.
Mas o RNA não apenas executa cegamente instruções – ocasionalmente, ele improvisa com alguns dos ingredientes, mudando quais proteínas são produzidas na célula em um processo raro chamado edição de RNA.
Quando tal edição acontece, ela pode mudar a maneira como as proteínas funcionam, permitindo que o organismo ajuste sua informação genética sem realmente passar por quaisquer mutações genéticas.
Mas a maioria dos organismos realmente não se incomoda em utilizar esse método, já que ele é confuso e causa problemas com mais frequência do que os resolve.
Ou seja, a Mãe Natureza experimentou com o processo de edição de RNA, descobriu o que queria e o abandonou em grande parte porque não era tão eficaz assim. Só que os cefalópodes, aparentemente, não receberam esse memorando.
Coleóides e RNA
Em 2015, os pesquisadores descobriram que a lula-comum já editou mais de 60% do RNA em seu sistema nervoso. Essas edições essencialmente mudaram sua fisiologia cerebral, presumivelmente para se adaptar a várias condições de temperatura no oceano.
Em 2017, a mesma equipe fez uma descoberta ainda mais surpreendente: pelo menos duas espécies de polvos e um choco fazem a mesma coisa regularmente.
Para ter certeza de que isso era algo específico, eles realizaram comparações evolutivas com um náutilo e uma lesma gastrópode, concluindo que as espécies não tinham a mesma capacidade de edição. Portanto, altos níveis de edição de RNA não são coisa de moluscos – são provavelmente uma invenção dos cefalópodes coleóides.
A título de confirmação, os pesquisadores analisaram centenas de milhares de locais de registro de RNA nesses animais, que pertencem à subclasse Coleoidea, sugerindo que a edição inteligente de RNA era especialmente comum no sistema nervoso coleóide.
Por quê?
Os cefalópodes coleóides são excepcionalmente inteligentes. Você já deve ter ouvido alguma história incrível envolvendo um polvo, como o fato de que eles são capazes de usar ferramentas (um animal de um aquário da Nova Zelândia até aprendeu a fotografar pessoas).
Portanto, é certamente uma hipótese convincente de que a inteligência do polvo possa vir de sua alta dependência não convencional de edições de RNA.
“Há algo fundamentalmente diferente acontecendo nesses cefalópodes”, disse Joshua Rosenthal, um dos autores do estudo.
Mas não é só que esses animais são adeptos de consertar seu RNA quando necessário – a equipe descobriu que essa habilidade veio a um custo evolucionário que os diferencia do resto do mundo animal – em termos de evolução genômica comum (aquela que usa mutações genéticas), os colóides têm evoluído muito, muito devagar.
Os pesquisadores alegam que isso é um sacrifício necessário: a fim de manter essa flexibilidade para editar o RNA, os colóides tiveram que desistir da capacidade de evoluir em regiões circundantes.
No futuro
Como próximo passo, a equipe irá desenvolver modelos genéticos de cefalópodes para rastrear como e quando essa edição de RNA entra em ação.
“Pode ser algo tão simples como mudanças de temperatura ou tão complicado quanto a experiência, uma forma de memória”, esclarece Rosenthal.
Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica Cell. [ScienceAlert]
Fonte: Hypescience