Os rumos do programa mais duradouro de financiamento à proteção da maior floresta tropical do mundo são incertos. Mantido no Brasil principalmente por doações da Noruega e da Alemanha, o Fundo Amazônia virou alvo de ataques do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pegou os países doadores de surpresa.
Quase duas semanas depois de Salles dizer ter encontrado “indícios de irregularidades” no gasto de verbas do fundo, um encontro em Brasília colocou os envolvidos face a face novamente nesta segunda-feira (27/05).
“Agora nós temos um diálogo que, esperamos, vai continuar”, declarou Nils Martin Gunneng, embaixador da Noruega, após a reunião em Brasília.
Logo após as primeiras queixas de Salles, a embaixada norueguesa havia elogiado o fundo numa nota pública e se disse orgulhosa de participar da iniciativa, que teria uma “governança transparente e diversa, com a ampla participação da sociedade civil”.
Georg Witschel, embaixador alemão que também participou do encontro em Brasília, afirmou que ainda não há nada definido quanto ao futuro da colaboração, e que “todas as propostas serão discutidas”.
Segundo Salles, a retirada do apoio financeiro dos dois países não foi discutida na ocasião. As conversas sobre o destino do fundo devem continuar nas próximas semanas.
O ministro afirmou que um decreto para alterar as normas do fundo só será editado quando todas as partes chegarem a um acordo. O governo pretende usar recursos do fundo para bancar indenizações por terras desapropriadas em áreas protegidas, algo que, segundo o ministro, não foi discutido no encontro desta segunda.
“Cruzada” contra o Fundo Amazônia
Criado em 2008 para financiar projetos que combatem o desmatamento na Amazônia Legal, fonte considerável de gases que aceleram as mudanças climáticas, o fundo incentiva a conservação e o uso sustentável das florestas.
Todo o dinheiro transferido pelos doadores – R$ 3,4 bilhões até agora – é administrado por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Desde que Salles assumiu a pasta no governo de Jair Bolsonaro, nenhum novo projeto foi discutido ou aprovado. Entre as cerca de 20 pessoas que trabalham diretamente com o fundo, o clima é de tensão. Em condição de anonimato, funcionários do BNDES disseram à DW Brasil que o ministro teria iniciado uma “cruzada” contra o fundo, com falas agressivas contra a equipe e ausência de propostas.
A apreensão aumentou depois do afastamento de Daniela Baccas, que tinha 15 anos de carreira no banco e era responsável pela gestão do fundo. O motivo do desligamento, segundo o BNDES, seria a averiguação das suspeitas levantadas pelo ministério.
Arthur Koblitz, da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES), que protestou após o afastamento de Baccas, critica a atuação do ministro. “Tem muito trabalho para o ministro no fundo, ele tem um assento no comitê que faz a gestão. Mas ele resolveu abrir uma outra frente. Suspeitamos que ele queira acabar com o fundo.”
Questionado pela DW, o ministério não revelou detalhes das propostas de reformulação do Fundo Amazônia que devem discutir com os países doadores. “O fundo acumulou experiências e aprendizados importantes e que servem de base para futuros avanços”, comentou em resposta enviada por e-mail previamente à reunião.
Para a Embaixada da Alemanha no Brasil, o Fundo Amazônia representa um projeto de cooperação importante para o país europeu. “É claro, esperamos que os contratos nos quais nosso engajamento está baseado sejam honrados, e que nós sejamos envolvidos em todas as decisões importantes”, afirmou.
Questionado sobre a relevância da iniciativa, o BNDES disse que “o fundo reflete uma experiência de cooperação internacional inovadora e amplamente reconhecida”. O banco disse que os recursos “beneficiam as populações tradicionais da floresta” e que o “acompanhamento físico e financeiro de todos os projetos é realizado pelo banco”.
Em 2017, o Fundo Amazônia passou por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) a pedido do então líder da bancada ruralista no Congresso Nacional, o deputado Nilson Leitão. A conclusão, publicada em 2018, foi que, de forma geral, o fundo é gerido de forma satisfatória e conta com boa aplicação de recursos.
Segundo Hugo Chudyson Araújo Freire, secretário de controle externo AgroAmbiental do TCU, a auditoria analisou um volume considerável de documentos e encontrou a necessidade de pequenos ajustes que “não depõem contra o bom atingimento dos objetivos do fundo”, afirmou em entrevista à DW. As alterações sugeridas são monitoradas pelo TCU.
Doações para manter a floresta de pé
Em uma década de existência, os doadores destinaram R$ 3,4 bilhões a projetos na Amazônia com base em uma única contrapartida do governo brasileiro: diminuir o desmatamento. Deste total, R$ 1,9 bilhão foi aplicado até o momento. Com os recentes sinais de que o ritmo de devastação da floresta voltou a subir, o fluxo de recursos fica, mais uma vez, comprometido.
Até 2012, o monitoramento via satélite registrou uma queda acentuada da destruição florestal. Por outro lado, a área desmatada voltou a oscilar a partir de 2013 e atingiu em 2018 novo recorde de alta depois de dez anos.
Do Acre, Maria Jocicleide Lima de Aguiar teme pelo futuro dos recursos. Ela integra o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que engloba mais de 600 entidades que representam comunidades da floresta.
“Já é difícil a gente fazer investimento para preservar a Amazônia. Os recursos do governo não existem. Se não tiver mais o fundo, a tendência é aumentar o desmatamento”, disse à DW Brasil.
Em 2018, o Acre foi o estado onde o desmatamento mais subiu: 82%. Dos 103 projetos financiados pelo Fundo Amazônia até o momento, 28 foram desenvolvidos no estado. Dentre eles, o programa de incentivo a agroflorestas e preservação de sementes nativas da Associação Ashaninka do Rio Amônia. Ganhador de prêmio na ONU, ele beneficia mais de mil indígenas e 50 comunidades extrativistas.
“Temos visto um grande desmantelamento das leis e de todo arcabouço legal de preservação do meio ambiente”, lamenta Aguiar. “A nossa esperança é que as comunidades continuem suas ações por conta própria pra manter a floresta de pé. Mas a pressão é muito grande.”
Um levantamento do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 30 organizações não governamentais, mostrou que, apesar da tendência de alta do desmatamento ilegal, as multas por esse crime no governo Bolsonaro caíram 34% entre janeiro e maio em comparação com o mesmo período do ano passado.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, acusa Salles de estar seguindo “interesses outros” numa agenda antiambiental. “O ministério tem pouca preocupação com a efetividade do Fundo Amazônia. Ele tenta acabar com a imagem da sociedade civil, tirar credibilidade de instituições que atuam há décadas na proteção ambiental”, afirma.
Antes de assumir o ministério, Salles foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa. No processo, ele é acusado pelo Ministério Público de fraudar a elaboração do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do rio Tietê em 2016, quando era secretário de Meio Ambiente em São Paulo. Segundo a acusação, Salles teria o interesse de beneficiar empresas de mineração.
Fonte: Deutsche Welle