Foi identificada no Brasil, pela primeira vez, a presença e a ação do ranavírus na natureza. O patógeno infectou rãs, sapos e pererecas presentes em duas lagoas na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. O vírus não causa danos aos humanos, mas é uma grave ameaça aos animais, provocando hemorragia interna e ulcerações na pele.
O estudo é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Joice Ruggeri, apoiada pela agência FAPESP, em parceria com vários pesquisadores brasileiros, que coletaram exemplares de rãs, sapos e pererecas em diferentes lagoas brasileiras localizadas na região da Mata Atlântica.
Os animais passaram por uma análise molecular, sendo utilizada a técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR), capaz de “amplificar o DNA”. “Coletamos as amostras, fizemos a extração do DNA no laboratório e realizamos um PCR quantitativo em tempo real, que não somente possibilita detectar o patógeno, mas também quantifica a carga viral em cada uma das amostras”, explica Ruggeri em entrevista à GALILEU.
Os pesquisadores encontraram girinos de espécies nativas e de rãs-touro (Lithobates catesbeianus), que são consideradas invasoras ao habitat local. Em uma das lagoas, onde só havia espécies nativas, os animais apresentaram níveis baixos do ranavírus.
Por outro lado, em outra lagoa, onde não havia nenhuma espécie nativa, foram achados mais de 20 girinos de rã-touro mortos, com lesões severas na pele causadas pelo vírus. Dois girinos vivos encontrados tinham baixos níveis de infecção.
Para os pesquisadores, apesar das rã-touro apresentarem naturalmente uma alta tolerância ao vírus, havia altas cargas do patógeno nesses animais. Originárias da América do Norte, elas são a principal espécie criada para consumo humano e são criadas em ranários, localizados em regiões onde foram feitas as coletas.
Uma das hipóteses é que o vírus teria se disseminado na Mata Atlântica através dos ranários (o Brasil é o segundo maior produtor de rãs do mundo). “Ainda não sabemos se o vírus é endêmico do Brasil, mas pode ser que ele tenha surgido a partir da introdução de invertebrados no país. Um deles é a rã-touro, mas esse vírus também infecta peixes, outros anfíbios e répteis”, afirma Ruggeri.
Duas rã-touro estudadas não somente tinham o ranavírus, como também o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, responsável por praticamente levar à extinção 90 espécies de sapos. O fungo foi detectado em 7 de 19 amostras de girinos mortos, de espécies nativas e invasoras (amostras das duas lagoas).
“Os anfíbios são os mais ameaçados entre os grupos de invertebrados. Descobrir o vírus no Brasil foi um passo muito importante para entendermos a sua dinâmica na natureza e saber se existe uma correlação com o fungo. Apesar do estudo estar no seu início, ele é essencial para a conservação dos anfíbios brasileiros”, conta a pesquisadora.
Fonte: Revista Galileu *Com supervisão de Thiago Tanji