Um vídeo mostrando uma onça-pintada despencando de uma árvore após levar um tiro chocou o país em 6 de maio de 2011, quando o Jornal Nacional divulgou os vídeos de um safári de caça a onças-pintadas e outros animais silvestres em Mato Grosso do Sul. Oito anos depois, o que começou com uma investigação da Polícia Militar Ambiental do estado e se transformou em uma operação da Polícia Federal acabou se arrastando na Justiça.
Agora, boa parte dos crimes pelos quais os réus foram denunciados já prescreveu, o que quer dizer que o período em que a Justiça poderia julgar e puni-los foi esgotado. Além disso, dois dos sete réus originais já não podem mais responder pelos crimes.
A decisão judicial mais recente foi publicada na segunda-feira (17) pela Vara Criminal de Aquidauana, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), e determinou a prescrição de seis das 11 acusações às quais respondem os cinco réus ainda listados. O G1 procurou os advogados de defesa, mas só conseguiu contato com o de uma das rés no processo (veja abaixo o que diz a defesa dela).
As dificuldades que as autoridades encontram para fiscalizar e, depois, para punir o crime de caça de animais silvestres e a pesca ilegal são o tema das reportagens deste mês do Desafio Natureza do G1.
Um levantamento feito junto às instâncias estaduais e federais mostra que, atualmente, o Pantanal tem um fiscal a cada 204 km² para combater esses e outros crimes ambientais.
Ao mesmo tempo em que as autoridades não conseguem colocar policiais ou fiscais em todos os rios e fazendas do Pantanal, as probabilidades de punir crimes como a caça caem drasticamente quando os autores não são pegos em flagrante.
Por isso, o vídeo obtido por policiais mostrando as pessoas atirando e matando a onça na Fazenda Santa Sofia, uma reserva de proteção natural no sul de Mato Grosso do Sul, passou a ser considerado uma peça chave na tentativa de levar o caso à esfera penal.
Crimes ambientais
As acusações contra os réus nesse caso envolveram três leis diferentes: a Lei de Crimes Ambientais, o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento.
A primeira delas teve sua redação mais recente definida em 1998, e determina que é crime “matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre” sem autorização. A pena, no caso de matar uma onça-pintada, é ainda maior, porque trata-se de uma espécie em extinção.
O processo também teve o agravante de que o safári acontecia em um território destinado à conservação da natureza.
Os cinco réus ainda listados no processo também respondiam por associação criminosa, um artigo do Código Penal, mas essa acusação prescreveu para todos eles na decisão judicial da semana passada.
Safári de caça a onças
Dos cinco réus atuais, a proprietária da fazenda, Beatriz Rondon, era a que respondia pelo maior número de acusações. Eram cinco os crimes imputados a ela — além da lista acima, ela também foi denunciada em outro ponto da Lei de Crimes Ambientais, e por posse e porte ilegal de armas e munições, ferindo artigos do Estatuto do Desarmamento.
No vídeo obtido pela Polícia Federal durante a investigação, que teria sido feito por estrangeiros, é Beatriz quem aparece comentando sobre uma onça-pintada fêmea que havia acabado de ser morta pelo grupo.
“É uma grande fêmea muito bonita. E estava comendo minhas vacas aqui”, diz ela nas filmagens.
A Fazenda Santa Sofia tem status de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), um tipo de unidade de conservação no qual o terreno é privado e o próprio dono toma a iniciativa de transformá-lo em um território de conservação perpétua, tanto dos rios e recursos naturais quanto da diversidade biológica.
O que diz a defesa
Ao G1, Rene Siufi, advogado de Beatriz, afirmou que, a partir da decisão judicial proferida no dia 17, a ré agora responde apenas pelo porte ilegal de arma. No caso dela, as acusações por caça ilegal já prescreveram em 2018, porque ela tem mais de 70 anos, o que faz com que o período até a prescrição caia pela metade.
Na decisão deste mês, as acusações de associação criminosa e posse ilegal de arma também foram extintas porque a dona da fazenda não pode mais responder por elas.
“Ela ficou no crime de desarmamento, de arma sem porte, sem nada. Então esse processo vai continuar”, afirmou Siufi, ressaltando que as armas apreendidas na fazenda da pecuarista “são registradas no quartel como arma de coleção”. Das cinco acusações, o crime de porte ilegal de arma é o que tem a pena mais rígida.
Henrique Gabriel Dimidiuk, que defende Juscelino Machado Araripe, outro dos cinco réus, enviou um comunicado ao G1 na tarde desta terça-feira (25). Nele, o advogado diz acreditar que a Justiça vai determinar a prescrição dos crimes, “vez que, sendo reconhecida apenas uma das atenuantes, a pena em concreto ficaria abaixo dos quatro anos, e se concretizaria o instituto que determina a perda da pretensão punitiva estatal”.
“Portanto”, continuou Dimidiuk, “não adianta um processo ir até a sentença ou acórdão final para só então ser declarado prescrito, o que deve ser feito antecipadamente pelo juiz quando, em uma analise sucinta do caso, concorram as circunstâncias que farão com que a pena aplicada permita o reconhecimento da prescrição”.
O que diz a acusação
O G1 procurou o Ministério Público Estadual, responsável pela acusação no processo. A promotora Angélica de Andrade Arruda afirmou que o MPE não vai recorrer da decisão sobre a prescrição dos crimes.
Segundo a promotora, os fatos “ocorreram entre os dias 27 de junho e 08 de julho de 2004”, e dois fatores auxiliaram na prescrição das acusações: “as penas cominadas aos crimes ambientais ainda são muito brandas em nosso país” e a idade de Beatriz “faz com que os prazos prescricionais sejam reduzidos de metade”.
Por isso, diz ela, a prescrição “ocorreu antes mesmo da instauração do inquérito policial, (instaurado em 2011) quando os fatos (ocorridos em 2004) vieram à tona”.
Pantanal tem um fiscal a cada 204 km² para combater a caça e a pesca ilegal
Esferas judiciais
Desde 2011, o processo já tramitou em duas esferas judiciais diferentes. Inicialmente, a investigação que havia começado na Polícia Militar Ambiental (PMA-MS) passou para as mãos da Polícia Federal em função do envolvimento de estrangeiros.
Por isso, o caso foi levado, em 2011, à 5ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Mas, em 26 de novembro de 2012, ele foi “encaminhado à Justiça Estadual da Comarca de Aquidauana/MS”, segundo afirmou ao G1o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O motivo, segundo o TRF-3, foi o “declínio de competência”.
Ele precisou, então, recomeçar na esfera estadual, agora com o Ministério Público Estadual (MPE) à frente da acusação. A distribuição por sorteio no Tribunal de Justiça (TJ-MS) aconteceu em 3 de dezembro de 2012, junto com a entrega dos autos ao Ministério Público.
O inquérito só retornou ao TJ-MS em maio de 2015, quando começaram as citações e intimações. Mas o advogado de Beatriz Rondon explicou que o processo ainda está nos estágios iniciais, e nenhuma testemunha foi ouvida.
“Teve a denúncia, agora o juiz verificou nos autos, constatou que 20 testemunhas têm que ser ouvidas ainda. Primeiro testemunha de acusação, defesa. Depois há o interrogatório dos acusados”, afirmou o advogado Rene Siufi.
O que dizem os demais réus
O G1 procurou a defesa do terceiro réu que tem advogados constituídos no processo, mas a defesa não retornou as ligações até a publicação desta reportagem.
Outros dois réus são estrangeiros, não têm advogados constituídos e, segundo as informações públicas do processo, não foram encontrados para intimação. Um deles foi intimado por edital e, segundo o juiz Ronaldo Gonçalves Onofri, “a presente ação penal (…) está com o seu processamento suspenso em decorrência da não citação e intimação” do outro estrangeiro, de origem búlgara.
Por isso, na decisão da semana passada, a Justiça determinou o desmembramento do processo dele em relação ao dos demais réus, para não “comprometer a esperada celeridade ou razoável duração do processo”.
Fonte: G1